O líder do Partido Republicano, de 59 anos, consolidou a virada no segundo turno ao atrair o eleitorado de centro e de outras siglas conservadoras, depois de chegar atrás de Jeannette Jara na primeira rodada de votação em novembro. Com quase toda a apuração concluída, Kast superou 58 dos votos válidos, contra pouco mais de 41 da adversária, numa disputa que reeditou a clivagem entre continuidade do governo Boric e promessa de ruptura com a agenda da esquerda.
A candidata comunista reconheceu a derrota ainda na noite de domingo, telefonou para o vencedor e afirmou que a democracia “falou forte e claro”, em um gesto visto por analistas como sinal de estabilidade institucional após uma campanha tensa e marcada por denúncias mútuas de medo econômico e retrocessos em direitos. A transição prevê que Kast receba a faixa presidencial de Gabriel Boric em março do ano que vem, mantendo a tradição de alternância de poder que tem marcado o Chile desde 2010.
Agenda interna: segurança e economia
Durante a campanha, Kast fez da segurança pública o eixo central de seu discurso, defendendo aumento do poder policial, o envio de militares para áreas consideradas críticas e a criação de um “escudo fronteiriço” para conter o crime organizado e a imigração irregular. O projeto inclui reforço de barreiras físicas na fronteira com a Bolívia e maior presença de tropas em zonas de maior fluxo migratório, proposta que agrada setores preocupados com violência, mas desperta críticas de organizações de direitos humanos e de parte da vizinhança andina.
Em economia, Kast promete flexibilizar leis trabalhistas, reduzir entraves regulatórios e reorientar políticas sociais, apostando na atração de investimentos e no fortalecimento da iniciativa privada como caminho para recuperar o crescimento após anos de baixo dinamismo. Para defensores desse plano, a plataforma recoloca o Chile na trilha liberal que fez do país uma vitrine regional em décadas passadas, enquanto críticos alertam para risco de aumento da desigualdade e de enfraquecimento de avanços em educação, saúde e previdência conquistados sob governos de centro-esquerda e esquerda.
Reações na América Latina
A vitória de Kast foi rapidamente saudada por presidentes e líderes políticos latino-americanos, revelando de forma nítida a divisão de expectativas em torno do novo governo chileno. Na Argentina, Javier Milei celebrou o resultado como um “esmagador triunfo” e o descreveu como mais um passo da região em defesa da vida, da liberdade e da propriedade privada, associando a eleição chilena ao avanço de uma agenda frontalmente contrária ao que chama de socialismo do século XXI.
Governos de centro-direita e direita em países como Paraguai, Equador e Bolívia enviaram mensagens calorosas, enfatizando afinidade em temas como segurança, defesa da família e economia de mercado. Para esses aliados, a presença de Kast em La Moneda facilita a formação de um bloco mais coeso em fóruns regionais e pode fortalecer negociações comerciais e posições comuns sobre crise migratória e crime transnacional. Já administrações de esquerda, embora tenham reconhecido o resultado e cumprimentado o novo presidente eleito, observam com cautela a mudança de rumo em um país que, poucos anos atrás, era símbolo de um ciclo progressista com a chegada de Boric ao poder.
Brasil entre pragmatismo e divergências
Do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou Kast e o povo chileno, ressaltando o caráter democrático e ordenado da eleição e afirmando que pretende seguir trabalhando para fortalecer as relações bilaterais e os laços econômicos entre os dois países. A mensagem sinaliza uma tentativa de separar divergências ideológicas da agenda prática, preservando cooperação em comércio, energia e integração regional, mesmo com a chegada de um presidente de direita a um dos parceiros mais relevantes do Cone Sul.
Entre diplomatas e analistas brasileiros, há avaliação de que a relação com Kast exigirá um equilíbrio delicado: de um lado, a pressão de bases e aliados à esquerda para criticar eventuais retrocessos em direitos civis e sociais no Chile; de outro, o interesse econômico em manter pontes abertas com um governo que pode apoiar iniciativas de abertura comercial e flexibilização de barreiras tarifárias no entorno do Mercosul. Críticos do alinhamento automático a governos ideologicamente próximos defendem que Brasília adote uma postura estritamente pragmática, preservando espaço de diálogo tanto com Santiago quanto com capitais que celebraram enfaticamente a guinada à direita chilena.
A posição dos Estados Unidos
O Departamento de Estado dos Estados Unidos felicitou Kast pela vitória e afirmou esperar cooperar para avançar em prioridades compartilhadas, como segurança regional e revitalização da relação comercial. A mensagem, lida como sinal de confiança no compromisso democrático chileno, também foi interpretada como oportunidade para Washington reforçar sua influência em um momento em que o país muda de orientação após quatro anos de um governo de esquerda.
Especialistas lembram que, do ponto de vista norte-americano, um Chile mais alinhado com políticas de mercado e com uma retórica dura contra o crime e a imigração irregular pode se tornar parceiro importante em iniciativas de combate a redes transnacionais e de contenção da presença de atores extra-regionais na América do Sul. Críticos dessa aproximação temem que uma agenda excessivamente securitária, impulsionada pela convergência entre a Casa Branca e La Moneda, amplie tensões com governos progressistas e aprofunde a fragmentação política continental.
Opiniões a favor e contra na região
A vitória de Kast é saudada por setores conservadores latino-americanos como correção de rota após anos de protestos, instabilidade institucional e frustração com reformas prometidas pelo campo progressista e não plenamente entregues. Para esses grupos, a nova administração representa a chance de recuperar confiança de investidores, fortalecer a autoridade do Estado frente ao crime organizado e conter o que veem como avanço excessivo de pautas identitárias.
Em sentido oposto, partidos de esquerda, movimentos sociais e organizações de direitos humanos alertam que a ascensão de Kast pode significar endurecimento de políticas migratórias, aumento da repressão em manifestações e revisão de compromissos em temas como memória histórica, direitos das minorias e proteção ambiental. Críticos afirmam que a combinação de discurso de ordem e reformas liberalizantes tende a aprofundar disparidades sociais e alimentar novos ciclos de contestação de rua, em um país que nos últimos anos se tornou símbolo de mobilização popular contra desigualdades estruturais.
O impacto geopolítico para a América Latina
A eleição chilena reconfigura o mapa político da América do Sul, que passa a conviver com um mosaico ainda mais fragmentado de governos de esquerda, centro-esquerda, direita liberal e direita radical. Em meio à crise de organismos regionais e a agendas concorrentes de integração, a chegada de Kast tende a fortalecer articulações entre países que defendem maior abertura econômica, acordos de livre comércio e alinhamento com potências ocidentais.
Do outro lado, governos progressistas podem buscar novas formas de coordenação para responder a uma possível onda de reformas pró-mercado, pressionando por mecanismos de proteção social e ambiental em negociações comerciais e em fóruns multilaterais. A disputa, porém, ocorre em um contexto de baixo crescimento e cansaço dos eleitores com promessas não cumpridas, o que reduz a margem de manobra de qualquer projeto político e aumenta a volatilidade das preferências nas urnas.
Desafios imediatos de Kast
Ao assumir em março, Kast terá de administrar um país ainda marcado por cicatrizes dos protestos iniciados em 2019, por tensões no processo constituinte e por frustrações acumuladas com o desempenho econômico. A expectativa de seus apoiadores é que rapidez em medidas de segurança e sinais claros de responsabilidade fiscal gerem um choque de confiança capaz de destravar investimentos e reduzir a percepção de desordem.
Ao mesmo tempo, qualquer passo considerado excessivo na repressão a manifestações ou na flexibilização de direitos trabalhistas tende a gerar forte reação de sindicatos, movimentos estudantis e partidos de oposição, que já se reorganizam para atuar como contraponto no Congresso e nas ruas. Em um cenário regional polarizado e sob olhar atento de vizinhos e dos Estados Unidos, o novo presidente chileno terá de provar que sua promessa de firmeza pode conviver com o respeito às instituições democráticas e aos compromissos internacionais assumidos pelo país.
(*) Com informações das fontes: G1, CNN Brasil, BBC, Gazeta do Povo, Poder360, TMC, Opera Mundi, Observador, Wikipedia.