O debate acerca da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 reacende tensões no Congresso Nacional, explicitando divisões políticas profundas e desafios institucionais. A proposta de uma anistia ampla, geral e irrestrita, encampada por setores bolsonaristas, ultrapassa o legislativo e se consolida como bandeira eleitoral para 2026, servindo de teste à resiliência democrática nacional.
O padrão brasileiro de anistias indica que o perdão político foi utilizado em momentos críticos, como a Lei de Anistia de 1979, que perdoou crimes cometidos durante a ditadura militar. O historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identifica pelo menos 15 tentativas de golpe desde 1889, majoritariamente seguidas por anistias, mas alerta para a perpetuação de impunidades e cicatrizes institucionais não resolvidas. No caso atual, a proposta busca perdoar crimes relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro, excluindo crimes hediondos, como terrorismo.
O relator do Projeto de Lei 2645 de 2023, deputado Paulinho da Força, reconheceu que uma anistia irrestrita é inviável juridicamente e politicamente. O Centrão, bloco dominante na Câmara, resiste em incluir Jair Bolsonaro entre os beneficiários e defende uma redução seletiva de penalidades, objetivando estabilidade institucional. Líderes como Arthur Lira e Ciro Nogueira propõem a dosimetria de penas como caminho mais realista.
Especialistas em Direito Constitucional, como Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo, são categóricos: a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII, veda a anistia para crimes hediondos e contra a ordem democrática. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Lei de Anistia de 1979, reiterou que a pacificação não pode ser confundida com apagamento de responsabilidades históricas.
Na dinâmica parlamentar de setembro de 2025, a pressão pela anistia ampla aumenta com a mobilização de parlamentares bolsonaristas. Eduardo Bolsonaro, em postagem nas redes, ameaçou obstrução total caso a proposta não avance, mas o Centrão mantém sua resistência, priorizando pragmatismo e as negociações orçamentárias com o governo Lula.
Fora do Congresso, a base bolsonarista se organizou em manifestações, como a realizada na Avenida Paulista em 7 de setembro, amplificando a retórica de perseguição a “presos políticos” e acumulando milhões de impressões nas redes. Parlamentares governistas, entretanto, reiteram que não há apoio para anistiar Bolsonaro, inelegível até 2030, aprofundando a divisão na direita entre radicais e pragmáticos.
No plano econômico, o impasse político contribui para oscilações no Ibovespa e amplia a incerteza pré-eleitoral, segundo relatórios recentes do setor financeiro. O Supremo, que já acelerou julgamentos em situações similares, pode ser chamado a intervir novamente caso não haja consenso no Legislativo.
A anistia ampla tornou-se símbolo da polarização brasileira: para bolsonaristas, representa justiça e resistência; para governo e instituições, configura risco sério à democracia. O Centrão sinaliza que o custo político de um perdão irrestrito é elevado demais, preferindo soluções que mantenham o equilíbrio e a credibilidade institucional. Sem acordo até o fim de 2025, o tema deve migrar para o Supremo, com a dosimetria ganhando força como alternativa viável, embora insuficiente para a plena pacificação do país.
A reconciliação exigirá mais do que gestos políticos, demandará responsabilidade histórica e compromisso inequívoco com a verdade.
* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br
(*) Com informações das fontes:
- Entrevistas e declarações de Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo; Paulinho da Força, deputado federal e relator do Projeto de Lei 2645 de 2023; Ciro Nogueira, líder do Centrão; Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL; e Aécio Neves, deputado federal pelo PSDB.
- Artigos e análises do historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre anistias no Brasil e golpes políticos.
- Decisões e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de Anistia de 1979 e limites constitucionais para anistias.
- Reportagens da Agência Brasil, G1, CartaCapital, BBC Brasil e Grupo @HORA.
- Monitoramento de manifestações públicas, redes sociais e impactos econômicos pelas publicações Revista Propaganda e Marketing e veículos especializados em mercado financeiro.
- Textos oficiais da Constituição Federal e documentos do Tribunal Superior Eleitoral referentes à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.
|