A instabilidade geopolítica global tem gerado efeitos cascata que reverberam em mercados financeiros e sistemas de pagamento ao redor do mundo. Em 24 de agosto de 2025, novas sanções impostas por Estados Unidos e União Europeia, baseadas na ampliação da Lei Magnitsky, acendem um alerta no mercado financeiro brasileiro. A medida, que visa punir indivíduos e entidades envolvidos em violações de direitos humanos e corrupção, agora abrange uma rede mais ampla de empresas e instituições financeiras, incluindo aquelas com vínculos indiretos com regimes sancionados.
O impacto direto foi sentido nas operações internacionais de bandeiras de pagamento. O sistema financeiro, que parecia blindado por suas múltiplas camadas de jurisdição, agora enfrenta o desafio de se adequar a um cenário onde as sanções não se limitam mais a bancos específicos, mas atingem a própria infraestrutura de pagamentos.
O Efeito Cascata: Por que a Lei Magnitsky afeta o Cartão Internacional?
A Lei Magnitsky, originalmente criada para sancionar oficiais russos, evoluiu para uma ferramenta de política externa global. Sua expansão recente permite que os governos dos EUA e da UE congelem ativos e restrinjam a entrada de indivíduos e entidades de qualquer nacionalidade considerados cúmplices em violações de direitos humanos e corrupção. O que mudou é a extensão de seu alcance: empresas que facilitam transações ou fornecem serviços financeiros a essas entidades agora podem ser alvo secundário das sanções.
Esse novo cenário coloca bandeiras de pagamento, como a UnionPay (China), em uma posição delicada. Conhecida por sua forte presença na Ásia e por ser a maior bandeira de cartão do mundo em número de emissores, a UnionPay tem expandido agressivamente suas operações em mercados emergentes, incluindo o Brasil. A crescente interligação do sistema financeiro global significa que mesmo uma bandeira chinesa pode ser afetada se suas transações passarem por redes que interagem com o sistema financeiro dos EUA ou da UE.
A preocupação é que, ao processar pagamentos para indivíduos ou empresas sancionadas, a própria bandeira possa ser classificada como facilitadora, expondo-a a sanções severas, como a restrição de acesso a redes de compensação global. Para os usuários brasileiros que confiam em cartões com a bandeira UnionPay para suas viagens internacionais, isso levanta dúvidas sobre a confiabilidade e a aceitação em países ocidentais.
Elo e UnionPay: O Cenário no Brasil
A bandeira Elo, nascida da colaboração entre grandes bancos brasileiros Bradesco, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, também entra no foco. Embora sua atuação principal seja doméstica, a Elo tem feito parcerias estratégicas para expandir sua aceitação global, como o acordo de cooperação técnica com a Discover e BinersClub e, mais recentemente, a parceria com a UnionPay. O objetivo é permitir que os cartões ELO sejam aceitos em milhões de estabelecimentos no exterior. No entanto, a recente escalada das sanções lança uma sombra sobre a estabilidade dessas parcerias.
A bandeira de cartões ELO, que é 100% brasileira, firmou uma parceria estratégica com a UnionPay — a maior bandeira de cartões do mundo em volume de emissão — para viabilizar a entrada da UnionPay no Brasil. Essa movimentação foi anunciada em 25 de julho de 2025, e está sendo conduzida pelo Grupo Arpex, que também é responsável pela operação da ELO no país.
Essa parceria marca um momento importante para o mercado de pagamentos brasileiro, ampliando a diversidade de redes disponíveis e fortalecendo os laços comerciais entre Brasil e China. A UnionPay já está presente em mais de 180 países e sua chegada promete mexer com o domínio de Visa e Mastercard.
A UnionPay é uma verdadeira gigante no setor de pagamentos e os números falam por si:
Estatísticas Globais da UnionPay (2025)
- Cartões emitidos: Mais de 10 bilhões de cartões em circulação no mundo
- Volume de transações: Processou cerca de US$ 23,4 trilhões em 2025, com crescimento anual de 8,5%
- Participação global: Representa 36% de todas as transações com cartões no planeta
- Presença internacional: Aceita em mais de 185 países e regiões
- Número de comerciantes: Mais de 55 milhões de estabelecimentos aceitam UnionPay
- Uso fora da China: Cerca de 43% das transações já ocorrem fora do território chinês
Esses dados mostram como a UnionPay está se consolidando como uma alternativa poderosa às bandeiras ocidentais, especialmente em mercados emergentes.
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Comparativo das Bandeiras de Cartão no Brasil
Essa chegada da UnionPay pode ser especialmente interessante para quem faz negócios com a Ásia, viaja para lá, ou busca alternativas com taxas mais baixas. E com a parceria com a ELO, ela já entra com um pé firme no mercado brasileiro.
A UnionPay ao Brasil é uma notícia que vinha sendo aguardada com otimismo. A previsão é que a bandeira comece a operar plenamente no mercado brasileiro nos próximos meses, com grandes bancos e fintechs já em processo de integração. Isso permitirá a emissão de cartões UnionPay por instituições financeiras brasileiras, facilitando viagens e negócios com a Ásia e outros mercados emergentes.
A tabela a seguir resume as principais características e limitações do uso no exterior das bandeiras Elo e UnionPay, no contexto atual.
Bandeira |
Uso no Exterior |
Limitações e Perspectivas |
ELO |
Aceita em países com parcerias, principalmente através da rede Discover. Expansão limitada a acordos específicos. |
Maior aceitação em rotas de turismo populares. Parceria com a UnionPay pode expandir o uso em mercados asiáticos, mas enfrenta riscos geopolíticos. |
UNIONPAY |
Ampla aceitação em mais de 180 países, especialmente na Ásia, Rússia e partes da África. Crescente aceitação na Europa e EUA. |
A aceitação pode ser comprometida em países que implementam sanções secundárias sob a Lei Magnitsky. Confiabilidade pode ser questionada em regiões geopoliticamente sensíveis. |
O Quadro Comparativo das Bandeiras no Brasil
A escolha da bandeira de cartão de crédito para uso internacional sempre foi uma questão de preferência pessoal e de aceitação. Com as novas sanções e a instabilidade geopolítica, a análise se torna mais complexa. O quadro abaixo compara as principais bandeiras oferecidas no Brasil, destacando suas particularidades.
Bandeira |
Aceitação Global |
Foco Geográfico |
Cobertura em Locais de Turismo Populares |
VISA |
Ampla e universal. Aceita em praticamente todos os países. |
Global |
Muito alta |
MASTERCARD |
Ampla e universal. Aceita em praticamente todos os países. |
Global |
Muito alta |
AMERICAN EXPRESS |
Aceitação ampla, mas com menor penetração em pequenos estabelecimentos fora de grandes centros urbanos. |
Global, com forte presença em EUA e Europa |
Alta em grandes centros e hotéis |
DINERS CLUB |
Aceitação mais restrita. Foco em clientes de alto padrão e benefícios de viagem. |
Global, mas com menor rede. |
Média a baixa em locais turísticos |
ELO |
Aceitação em crescimento através de parcerias com bandeiras estrangeiras como a Discover. |
Nacional e em expansão global |
Depende dos acordos de parceria. |
UNIONPAY |
Ampla aceitação, mas com foco em países da Ásia e mercado russo. |
Principalmente Ásia. Expansão para Europa e Américas. |
Alta na Ásia, média a baixa em outras regiões. |
Análise e Perspectivas do Mercado
O ano marca um ponto de inflexão no setor de pagamentos. As novas sanções da Lei Magnitsky demonstram que a interconectividade do sistema financeiro global é, ao mesmo tempo, sua maior força e sua maior vulnerabilidade. A dependência de redes de compensação ocidentais, dominadas por Visa e Mastercard, torna qualquer bandeira com presença global suscetível a sanções secundárias.
Para os brasileiros, a mensagem é clara: a diversificação de bandeiras pode não ser a solução mágica para mitigar riscos geopolíticos. A adesão a bandeiras como a UnionPay, embora promissora para o comércio com a Ásia, agora carrega o peso de uma incerteza política. A Elo, por sua vez, deve reavaliar a profundidade de sua integração com parceiros que podem ter vulnerabilidades geopolíticas.
A tendência é que os grandes bancos e fintechs brasileiras reforcem a due diligence de seus parceiros internacionais e busquem soluções que minimizem a exposição a riscos jurisdicionais. A busca por sistemas de pagamento alternativos, como o CBDC chinês ou o sistema de pagamentos instantâneos russo, pode ganhar força, mas o caminho é longo e incerto. A confiança do consumidor na fluidez dos pagamentos internacionais está em xeque, forçando o setor financeiro a um reequilíbrio delicado entre conveniência, segurança e resiliência geopolítica.
* Com informações das fontes Relatórios de Análise de Riscos Geopolíticos, Anúncios de sanções do Departamento de Tesouro dos EUA e da Comissão Europeia, Comunicados de imprensa de empresas de cartões e associações do setor e Notícias de agências de notícias especializadas em finanças e economia global.