As táticas de espiões russos para se camuflarem no Brasil

 

Politica - 23/05/2025 - 00:00:56

 

As táticas de espiões russos para se camuflarem no Brasil

 

Da Redação com Deutsche Welle

Foto(s): Divulgação / Paulo Pinto / Abr

 

Para se esconder no país, espiões russos adotaram nomes falsos, criaram relacionamentos, abriram empresas e aprenderam o português

Para se esconder no país, espiões russos adotaram nomes falsos, criaram relacionamentos, abriram empresas e aprenderam o português

Durante anos, espiões da Rússia fizeram do Brasil um esconderijo para apagar seu passado e construir falsas identidades como brasileiros. Apesar da distância cultural e geográfica com o seu país de origem, eles enganaram desde pessoas comuns até o governo federal. Para se camuflarem no país, adotaram nomes falsos, criaram relacionamentos, abriram empresas, aprenderam o português e um deles até fez aulas de forró, conforme mostram investigações da imprensa. 

Nesta semana, o jornal The New York Times revelou que o Brasil se tornou uma "fábrica" de agentes secretos do Kremlin, descoberta pela Polícia Federal. A reportagem atribui a uma série de fatores a escolha do país para abrigar espiões que, mais tarde, poderiam viajar o mundo espionando os alvos estratégicos da Rússia. 

Dentre os apontados atrativos para espiões no Brasil, estão a facilidade de obter certidões de nascimento, sobretudo em áreas rurais, e a diversidade de fenótipos na população brasileira, a mais miscigenada do mundo. Além disso, o passaporte brasileiro permite circular de forma relativamente pouco restrita, ou sem levantar suspeitas, por vários países.

A primeira máscara a cair foi a do agente Sergey Cherkasov, que vivia no Brasil sob o nome de Victor Müller Ferreira até 2022. Para se passar por brasileiro, ele conseguiu documentos legítimos, incluindo passaporte e título de eleitor. O espião se dizia filho de português com brasileira e criado na Argentina. 

O russo até cursou aulas de forró e frequentou sambas em São Paulo. Segundo uma reportagem da Rede Globo, seu professor era Pheliphe Britto, dono de uma escola de dança homônima. À DW, ele contou que o espião falava um ótimo português e procurou as aulas depois de ter sido chamado para dançar por várias mulheres numa festa de forró. Na escola, arrumou uma namorada brasileira.

"Era o cara mais simpático do mundo. Ele ia na minha casa, fazia churrasco lá, a gente fazia festa. Ele ia todos os dias na aula, porque dizia que era uma terapia", conta. Chamando a história de "uma loucura", o professor só descobriu a verdadeira identidade do aluno quando foi abordado pela imprensa americana e brasileira. "Não dá para entender até hoje."

Cherkasov viajou para a Holanda a fim de atuar como estagiário no Tribunal Penal Internacional (TPI). A Rússia não reconhece a corte sediada em Haia, que emitiria um mandado de prisão contra o presidente Vladimir Putin por alegados crimes de guerra na Ucrânia em março de 2023.

Foi então que a polícia holandesa negou sua entrada e o mandou de volta ao Brasil que a Polícia Federal foi alertada pelos Estados Unidos sobre as suspeitas. Era o pontapé da Operação Leste da Polícia Federal, cuja abrangência e entremeios foram revelados pelo jornal americano nesta semana. 

Ao pousar em solo brasileiro, Cherkasov insistiu que era cidadão nacional ao longo de dois meses e, desde dezembro de 2022, cumpre pena na Penitenciária Federal de Brasília. Ele é o único que permanece preso no Brasil, com um pedido de extradição da Rússia, que alegou se tratar de um traficante de drogas. Em 2023, a extradição foi rejeitada pelo Brasil.

Contratos com governo federal

Já o agente russo Artem Shmyrev viveu no Brasil por seis anos, até janeiro de 2023, se valendo de uma identidade falsa sob o nome de Gerhard Daniel Campos Wittich. O suposto cidadão brasileiro teria nascido em 1986 no Rio de Janeiro, segundo uma certidão de nascimento criada em 2015.  

Mais tarde, a polícia descobriria que a mulher registrada como sua mãe já estava morta e nunca tivera filhos. O suposto pai nunca foi localizado, disse o The New York Times.

Shmyrev comandava a empresa 3D Rio, que fazia impressões tridimensionais, morava em um apartamento de luxo no Rio de Janeiro e mantinha até um relacionamento com uma brasileira. Mas, segundo o jornal, ele era também casado com a espiã russa Irina Shmyreva.

Um perfil da 3D Rio ainda no ar numa rede social indica que a empresa operava na rua transversal ao Consulado dos Estados Unidos no Rio, a três minutos de distância a pé. Segundo a própria descrição, a empresa oferecia projetos desde a modelagem e prototipagem do produto até a impressão tridimensional. 

O Portal da Transparência mostra que os serviços foram prestados, inclusive, para o governo federal. Contratos com o Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha, o Batalhão de Polícia do Exército e o Centro Técnico do Audiovisual, vinculado ao Ministério da Cultura, somaram mais de R$ 26 mil entre 2020 e 2022.  

Funcionários enganados

A identidade de Shmyrev era tão convincente que ninguém em seu círculo desconfiava, nem mesmo os funcionários da empresa. Ele falava português fluentemente, atribuindo o sotaque a uma infância na Áustria, segundo o The New York Times.   

Numa nota compartilhada no perfil da empresa, os empregados afirmaram ter primeiro sido pegos de surpresa quando o dono da empresa desapareceu. Em janeiro de 2023, pouco antes de ser descoberto pela Polícia Federal, ele saiu numa suposta viagem de férias, parou de responder a mensagens e nunca mais retornou ao país, de acordo com a imprensa.

Meses depois, os empregados ficaram ainda mais chocados ao descobrir pela imprensa que o chefe era parte de uma rede de espionagem envolvendo agentes russos. 

"Muitas dúvidas, medos e inseguranças se abateram sobre todos por aqui, já que estamos falando de um trabalho que envolve vidas reais de pessoas reais e seus sustentos", afirmou o comunicado, que anunciava a formação de uma nova empresa pelos funcionários remanescentes. O texto dizia ainda que eles colaboravam com as investigações e trabalhos jurídicos, sem ter relação com atividades de espionagem.

A DW entrou em contato com a nova empresa, que afirmou que os antigos funcionário da 3D Rio já deixaram os postos de trabalho.

Empresas de fachada

A apuração do The New York Times fala num total de nove agentes secretos que teriam atuado no exterior se passando por brasileiros. Pelo menos outros dois, que deixaram o Brasil a tempo de não serem pegos, também abriram empresas no país.

Segundo apuração do jornal O Globo após a publicação da reportagem do jornal americano, Vladimir Aleksandrovich Danilov e Yekaterina Leonidovna Danilova tinham um negócio de antiguidades e objetos usados e outro de comércio de objetos de arte, ambos no mesmo endereço da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Eles se passavam, respectivamente, por Manuel Francisco Steinbruck Pereira e Adriana Carolina Costa Silva Pereira. Acredita-se que eles tenham fugido para Portugal em 2018 e, depois, desaparecido.

No ano passado, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) descobriu um espião russo que atuava no Brasil ao se passar por diplomata da Embaixada da Rússia em Brasília, de acordo com informação divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo. Identificado como Serguei Alexandrovitch Chumilov, ele trabalhava cooptando brasileiros como informantes e deixou o Brasil depois de ter sido descoberto.


Abin revelou espião russo em embaixada no Brasil, diz jornal

Publicado em 08/04/2024

Homem se passava por diplomata para cooptar informantes através da oferta de bolsas de estudo e programas de intercâmbio. Ele deixou o país após ser descoberto.

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) descobriu um espião russo que atuava no Brasil ao se passar por diplomata da Embaixada da Rússia em Brasília, de acordo com informação divulgada neste domingo (07/04) pelo jornal Folha de S. Paulo.

Identificado como Serguei Alexandrovitch Chumilov, ele trabalhava cooptando brasileiros como informantes e deixou o Brasil depois de o setor de contrainteligência da Abin descobrir que ele atuava como membro de um dos serviços russos de inteligência.

De acordo com a Folha, Chumilov visava reunir informações a respeito de determinados setores ou temas brasileiros que eram de interesse do serviço de inteligência russo que integrava.

Chumilov chegou ao Brasil em 2018 para assumir o posto de primeiro-secretário na embaixada russa, conforme informações do Itamaraty. Ainda que sua permanência no país fosse legal, ele usava a posição de diplomata para desempenhar atos de espionagem.

O espião também se dizia representante da Casa Russa no Brasil (Russky Dom), ligada à Rossotrudnichestvo, agência russa para "assuntos de colaboração com a comunidade de Estados independentes, compatriotas no estrangeiro e cooperação humanitária internacional".

Atuação de espiões como diplomatas seria comum

Conforme a reportagem da Folha, o espião russo usava como método para conseguir informantes a oferta de bolsas de estudos e programas de intercâmbio na Rússia a estudantes e acadêmicos. Essas pessoas, então, muitas vezes se tornavam fontes do espião até mesmo sem perceber. Alguns só percebem que são usados como informantes quando já estão envolvidos, o dificulta a saída da rede.

Funcionários do Itamaraty afirmam que a atuação de espiões sob cargos diplomáticos é prática comum em todo mundo, não sendo uma exclusividade da Rússia.

Nos últimos anos, foram revelados ao menos três casos de espiões russos no Brasil. O mais conhecido deles é o de Serguei Vladimirovich Cherkasov, que foi preso em 2022 após usar identidade brasileira para se infiltrar no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.


Brasil rejeita extraditar suposto espião russo para os EUA

Publicado em 27/07/2023

Ministério da Justiça argumentou que pedido de extradição anterior feito pela Rússia já foi homologado pelo STF. Homem é acusado de usar identidade falsa brasileira por dez anos para espionar para o Kremlin.

O governo brasileiro rejeitou um pedido feito pelo governo dos Estados Unidos em abril deste ano para extraditar um suposto espião russo preso no Brasil, que também é alvo de um pedido de extradição feito pela Rússia.

Serguei Vladimirovich Cherkasov foi detido em abril de 2022 por autoridades holandesas ao usar um passaporte brasileiro falso, sob o nome de Viktor Muller Ferreira, para assumir um cargo de analista júnior no Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia – que investiga acusações de crimes de guerra na Ucrânia.

As autoridades holandesas concluíram que Cherkasov seria um agente do serviço de inteligência militar da Rússia que havia vivido no exterior por anos disfarçado com o objetivo de desenvolver uma identidade totalmente nova.

Cherkasov foi deportado para o Brasil, onde foi detido e denunciado por uso de documento falso – em julho de 2022, foi condenado em primeira instância pela Justiça Federal a 15 anos de prisão, e está preso em Brasília. Ele segue sendo investigado pelos crimes de espionagem, lavagem de dinheiro e corrupção.

Pedido de extradição também da Rússia

O anúncio de que Cherkasov não será extraditado neste momento foi feito pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, no Twitter. "Quanto ao cidadão russo Serguei Vladimirovich Cherkasov, esclareço que o parecer técnico do Ministério da Justiça, acerca de dois pedidos de extradição, está embasado em tratados e na lei 13.445/2017. No momento, o cidadão permanecerá preso no Brasil", escreveu Dino.

Em uma nota, o Ministério da Justiça esclareceu que havia considerado o pedido de extradição feito pelos Estados Unidos improcedente, "uma vez que o acusado já possui pedido de extradição homologado pelo STF".

O órgão refere-se a um pedido de extradição feito no ano passado pela Rússia, já autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, cuja execução depende da finalização das investigações contra ele no Brasil e de autorização do Poder Executivo.

O pedido de extradição da Rússia afirma que ele estaria sendo procurado no país por tráfico de drogas.

Acusações por espionagem e fraudes nos EUA

O Departamento de Justiça americano acusou Cherkasov de agir ilegalmente como agente de uma potência estrangeira enquanto ele estava nos Estados Unidos. As autoridades disseram que, enquanto estudante em Washington, ele coletou informações sobre americanos não identificados, as quais passou para seus encarregados.

Além de espionagem, o russo também foi denunciado pelas autoridades americanas por fraude de visto, fraude bancária, fraude eletrônica e outras acusações decorrentes de suas atividades nos EUA.

Segundo a imprensa americana, o FBI suspeita que o russo utilizou a identidade brasileira falsa durante dez anos para espiar para Moscou em diferentes países.

"Melhor feijoada de Brasília"

Ao deportar Cherkasov para o Brasil no ano passado, o Ministério do Interior da Holanda publicou em sua página na internet um documento de quatro páginas apresentando a biografia fictícia do suposto espião como cidadão brasileiro.

As autoridades holandesas afirmam que o documento foi provavelmente escrito em meados dos anos 2010 pelo próprio Cherkasov, para ajudá-lo a memorizar os detalhes de sua vida fictícia.

No texto, ele diz ter nascido em 4 de abril de 1989, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, e descreve sua vida pessoal conturbada por dificuldades financeiras e abandono paterno.

O documento, com muitos erros de português, também traz detalhes sobre um clube onde ele gostava de ouvir música eletrônica e fala sobre seu restaurante favorito em Brasília, que tem "a melhor feijoada da cidade".

"Cherkasov usava uma identidade de fachada bem construída, pela qual ele escondia todos os seus laços com a Rússia em geral, e com o GRU em especial", afirmou na época o comunicado do Ministério do Interior da Holanda. As autoridades holandesas disseram ainda que, se ele tivesse trabalhado no TPI, poderia ter acessado informações "altamente valiosas" no âmbito da investigação do tribunal sobre crimes de guerra na Ucrânia, ou até mesmo influenciado processos criminais na corte em Haia.

Segundo a polícia brasileira, Cherkasov assumiu a identidade falsa de um brasileiro cujos pais morreram, e morou na Irlanda e nos Estados Unidos por vários anos, acrescentando que ele havia retornado ao Brasil para preparar sua mudança para a Holanda. Cherkasov teria usado o seu passaporte falso para entrar e sair do Brasil pelo menos 15 vezes entre 2012 e 2022. 


* Con informações da Deutsche Welle, FSP, New York Times e Abr

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