Policiais sofrerão muitos processos por algemas

 

Nacional - 18/08/2008 - 08:59:43

 

Policiais sofrerão muitos processos por algemas

 

Da Redação com agências

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de criar novas regras para a utilização de algemas em acusados ou durante julgamentos, além de cumprir o propósito de evitar excessos por parte de policiais, pode provocar uma enxurrada de processos contra abusos de autoridade, de pedidos de indenização dos acusados contra os próprios policiais que os prenderam e até mesmo inviabilizar as operações.

O alerta foi feito pelo presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Marcos Wink, que acredita que o STF "extrapolou" e "entrou em uma seara que não caberia (entrar)". "É como proibir o Supremo de usar a caneta. Os médicos que se cuidem com os seus bisturis, os jornalistas que se cuidem com seus microfones e os juízes que cuidem com as suas canetas. A decisão foi essa", criticou o dirigente.

"Se eu prender um homem de 1,80m, que malha, vou colocar a algema e não importa. Mais de 90% dos policiais usam carros comuns. Como não vou algemar o suspeito? Ele pode pegar a direção do carro, a arma do policial. Não tenho a menor dúvida que vai haver uma enxurrada de processos. Os advogados vão alegar constrangimento, vai haver um grande número de ações penais contra os policiais. Os advogados nas defesas vão alegar esse abuso, e o Supremo vai dar esse subsídio. Não tenho dúvida que sobra para o policial", alerta.

De acordo com Wink, potenciais restrições sobre o uso de algemas deveriam ser debatidas entre os próprios policiais, com o auxílio de psicólogos, que poderiam avaliar eventuais reações de pessoas que recebem voz de prisão. "O STF entrou em uma seara que não caberia. Daqui a pouco vão dizer que não pode usar pistola 9 mm, que não pode usar metralhadora. A algema não é invenção nossa, é procedimento. Enquanto (os ministros) estão no ar condicionado e em suas togas, morrem dezenas de policiais", critica. "Onde está escrito que é ou não perigoso? É porque ele tem boa aparência ou mora em determinado lugar? O Supremo está discutindo o que devia ser discutido por policiais e psicólogos".

As novas regras para algemas, inseridas em uma súmula que obriga juízes de todas as instâncias e policiais a cumprirem a decisão, prevêem que elas podem ser utilizadas apenas nos casos de resistência, perigo de fuga ou risco à segurança do preso ou das pessoas à sua volta. Em todas as circunstâncias, os policiais deverão encaminhar aos juízes que determinaram a prisão uma justificativa por escrito embasando a decisão de usá-las.

Pela súmula do STF, criminosos ou suspeitos de todas as naturezas, incluindo assassinos e pedófilos, por exemplo, poderiam processar os estados, a União ou os policiais por danos morais caso avaliassem que foram vítima de constrangimento por usar algemas. Não há um método objetivo para se calcular quanto pode ser pedido em processos de indenização de danos morais, mas normalmente, para avaliar o nível de repercussão da "imagem da algema", os autores fixam um valor-base e o multiplicam pelo número de exemplares do jornal que reproduziu a foto com as algemas ou pelos lucros captados pelos telejornais que veicularam as imagens. Os valores finais, normalmente na casa das dezenas de milhares de reais, têm por objetivo, segundo a legislação brasileira, atender ao "caráter repressivo-pedagógico" das ações por dano moral.

Com as novas regras para limitar o uso de algemas, os policiais podem também receber advertências administrativas e suspensões ou ainda sanções penais, como serem processados pelo crime de desobediência de decisão judicial ou por exercício arbitrário e abuso de poder. Neste caso, se condenados, podem pegar de três meses a dois anos de detenção ou pagarem multa.

"Por que não proíbe logo o uso de algema? O policial federal coloca uma arma engatilhada na cabeça do preso e o leva", questiona o presidente da Fenapef. "Se tivéssemos uma forma de recorrer (da decisão do STF), (mas) só cabe recorrer a Deus", diz, comentando preferir ser processado por abuso de autoridade a correr o risco de o preso fugir, e ele ser acusado de facilitação de fuga, ou a ter de atirar nele como reação e, neste caso, ser processado por homicídio ou lesão corporal. Na avaliação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entretanto, "o STF acertou ao editar a súmula porque tratou de orientar para que a autoridade não repetisse o erro, não proporcionasse o resultado contrário do esperado, que é ter a investigação e a condenação criminal". "O STF editou a súmula para chamar ao bom senso a autoridade policial. Não tenho dúvida disso", comenta Cezar Britto. "Não concordo com o argumento de que é o mesmo que tirar a caneta de um juiz. Esse raciocínio parte do princípio de que a regra devia ser o uso da algema, e não a exceção. Ela não pode ser usada como antecipação da pena ou punição moral pública, que é praticamente irrevogável".

Britto admite, no entanto, que casos como o do banqueiro Daniel Dantas e do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, presos e algemados na Operação Satiagraha, da Polícia Federal, podem gerar processos de danos morais por suposto abuso da autoridade policial, mas lembra que, por conta do uso de algemas, a sociedade está se esquecendo de acompanhar o principal, que são os crimes de que Dantas e Pitta são acusados. "Esses excessos têm servido ao próprio crime porque estamos discutindo o excesso, mas não os crimes de Pitta, Dantas e Nahas (Naji Nahas, investidor preso na mesma operação pela PF)".

Pretexto

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, considera haver a possibilidade de recursos contra o uso de algemas serem um "pretexto" para que os processos contra determinados acusados cheguem ao Supremo e, alterando de instâncias, protelem o julgamento final dos casos. Ele observa que, a despeito de a Polícia Federal ter prestado um "serviço muito relevante" para a sociedade, existem setores que querem ver todas as pessoas algemadas, independentemente do fato de ainda não terem sido condenadas.

"Temos um segmento que quer punição a ferro e fogo, mas não se avança culturalmente a ferro e fogo. Desde Roma um segmento gosta de 'circo', deixando a emoção predominar e querendo a punição de qualquer forma", comenta, lembrando que a Federação Nacional dos Policiais Federais "tem uma atuação apaixonada" quando, na verdade, devia "primar pela razão". "Não cabe justiçamento. As situações podem mudar, o chicote muda de mão".

O ministro Celso de Mello, também do STF, observa que o Supremo, a partir da edição da súmula, deve receber diretamente ações daqueles que alegam terem sido vítimas de excessos policiais. De acordo com a Lei 11.417, de 2006, o não cumprimento das regras previstas nas súmulas vinculantes do STF garante que a pessoa recorra diretamente ao Supremo, sem a necessidade de passar por instâncias inferiores.

"Que não se estranhe o acesso imediato de qualquer pessoa lesada em seu direito por arbitrariedades policiais", opinou, lembrando que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, já condenou o Peru por expor publicamente pessoas presas com algemas.

Para o presidente da Corte, em contrapartida, a "enxurrada" de processos não deve ocorrer, uma vez que a expectativa é que a súmula seja cumprida. "Não tenho essa expectativa (de enxurrada). Acredito que agora, a partir dessa orientação, que é uma orientação bastante precisa tanto quanto possível, bastante segura, as próprias organizações policiais vão se debruçar sobre a necessidade de fazer a aplicação ou não da algema e certamente nós vamos ter agora novos manuais de ação por parte das organizações policiais. Acredito que não haverá essa enxurrada de reclamações", diz Gilmar Mendes.

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