Em uma votação controversa, por seis a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a utilização de células-tronco embrionárias para aplicação em pesquisas científicas e terapias. Os ministros haviam retomado o julgamento na manhã de ontem, avaliando uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo ex-procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, contra o polêmico trecho da Lei de Biossegurança que permite o uso de células-tronco de embriões.
A lei, aprovada em 2005 pelo Congresso Nacional, prevê que os embriões usados nas pesquisas sejam considerados "inviáveis" ou estejam congelados há mais de três anos. A legislação ainda proíbe a comercialização do material biológico e exige autorização expressa do casal para a manipulação dos embriões.
A primeira sessão sobre o tema foi iniciada em 5 de março com o voto do relator, Carlos Ayres Britto, favorável às pesquisas. A então presidente da Corte, Ellen Gracie, antecipou o voto seguindo posição em prol do uso de células-tronco. No mesmo dia, no entanto, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, pediu vista dos autos, paralisando a sessão.
Na quarta-feira, com a retomada do julgamento, os ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso afirmaram que a manipulação das células-tronco de embriões era constitucional e disseram não haver ilegalidade na autorização das pesquisas previstas na Lei de Biossegurança. Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Gilmar Mendes também endossaram a tese do relator na sessão desta quinta, completando oito votos favoráveis. Apesar dos protestos de Peluso, o ministro teve seu voto computado como "favorável às pesquisas, com restrições". No final do julgamento, o presidente do STF, Gilmar Mendes, decidiu se alinhar aos ministros favoráveis às pesquisas com restrições.
Católico fervoroso, Menezes Direito foi o primeiro ministro a abrir divergência do relator e, apesar de ressaltar que não avaliava a Lei de Biossegurança sob o ponto de vista religioso, sugeriu restrições às pesquisas com células-tronco, como a garantia de não destruição dos embriões e o aumento da fiscalização de clínicas de reprodução assistida. Ricardo Lewandowski e Eros Grau também impuseram ressalvas às pesquisas, embora tivessem destacado a importância do processo científico e declarado as pesquisas constitucionais.
Mendes lembrou que o tribunal encerrava "mais um julgamento que certamente será um marco". Em sua argumentação, o magistrado destacou que "toda a sociedade sai frustrada na tentativa de barrar todo o progresso científico humano", mas disse que "a manipulação genética demonstra necessidade de nova ética do agir humano, uma ética de responsabilidade".
"A Constituição incorpora tanto princípio da responsabilidade quando o princípio da esperança", avaliou o ministro.
Discussão
No final da sessão plenária, os ministros Cezar Peluso e Celso de Mello protagonizaram uma acalorada discussão sobre o teor do voto de Peluso. Mello afirmou que o colega havia votado pela aprovação das pesquisas com restrições, o que gerou protestos. Reconhecendo a complexidade da contagem dos votos, o presidente do STF incluiu Peluso e a si mesmo nos votos vencidos.
Com ironia, Peluso comentou a prolixidade de Mello, conhecido por seus longos votos. "Vossa Excelência gastou uma hora para falar isso (reclamar)?", disse, provocando o ministro que contestava eu voto. "Votos longos, sim, e votos muito bem fundamentados", rebateu Celso de Mello.
Durante os debates, Peluso chegou a sugerir que se reconhecesse a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde, como órgão central para pesquisas "com o poder de aprovar ou rejeitar os nomes indicados para a composição dos comitês de ética". A proposta, no entanto, não foi adiante.
Julgamento histórico
"É em momentos como este que podemos perceber que a aparente onipotência do tribunal constitucional não pode tergiversar e restringir o legislador", disse Gilmar Mendes, apontando que o Supremo confirmou "o austero compromisso com a defesa dos direitos fundamentais no Estado democrático de Direito".
"Entendo que esse foi realmente um julgamento histórico. O tribunal discutiu os limites entre a vida e a morte. São transcendentes, questões que interessam à generalidade das pessoas. Conseguida a maioria absoluta, mesmo que outros ministros tenham estabelecido restrições ou posto condicionamentos, não importa. O que vale são os votos majoritários. Eles não estabelecem condição alguma ou exortam o Congresso Nacional (a fazer mudanças)", resumiu o ministro Celso de Mello.
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