Em nosso editorial da última terça-feira (3/12), ficou registrado o nosso entendimento de que o Brasil não é um País que tem um Fisco, mas é um Fisco que tem um País. A frase era a propósito do decreto que regulamenta a Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que obriga os bancos a informarem à Receita Federal qualquer movimentação financeira que supere mais de R$ 5 mil para as pessoas físicas ou mais de R$ 10 mil para as pessoas jurídicas. Ou seja, no câmbio de hoje, um valor, no caso das pessoas físicas, de mais ou menos U$ 1,4 mil, o que, uma boa parte das famílias da classe média brasileira consegue ganhar, mesmo com a sua crescente pauperização.
Finalmente, durante a semana, alguns dos principais jornais do País abriram seus editoriais chamando a atenção dos brasileiros para mais esta violência fiscal. Errou quem pensava que o seu sigilo bancário fosse um direito tão sagrado como outros que se supunham garantidos no capítulo primeiro da Constituição: a intimidade, a vida privada, a honra, o sigilo da correspondência, dados e comunicações telegráficas e telefônicas. Em um verdadeiro Estado de Direito, qualquer violação da privacidade do cidadão só é permitida com autorização do Judiciário, que julga se uma denúncia do Estado tem alta relevância ou pertinência. Aliás, tem sido freqüente este procedimento e somam milhares as autorizações judiciais nesse sentido.
Pois bem. O decreto em questão confere aos fiscais da Receita superpoderes, eles que já têm tantos. Assim, a partir de 2003 - salvo se o STF anular o decreto por sua manifesta inconstitucionalidade - os fiscais, em uma situação jurídica absurda e inaceitável, passam a exercer os papéis de investigadores, de acusadores e de juízes. Pois é, Franz Kafka sabia mesmo das coisas. Tem razão o tributarista Ives Gandra Martins - o Brasil trata os contribuintes como o resto do mundo trata os narcotraficantes! A extensão da arbitrariedade que se permite aqui à Receita Federal não tem paralelo no mundo.
No Brasil, a partir de janeiro de 2003, todo cidadão será suspeito de sonegação e o ônus da prova será problema dele. O paradoxo cruel é que a voracidade do Fisco está a combinar quatro situações dramáticas: queda da atividade econômica, quadro preocupante de miséria social, queda nas taxas de emprego, mas, vejam só, recordes anuais de arrecadação.
Como registrou o Jornal da Tarde de terça-feira passada: “Mais um pouco, e a Receita federal estará pelas esquinas chacoalhando mendigos, para ver se não estão escondendo alguma moeda no bolso”. Assim será.
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