“Começou a guerra. No ocidente arde, ao rubro, tudo que talvez seja o futuro”. Verso de Fernando Pessoa. A arte imita mesmo a vida. E esse futuro ocidental de horror começou a se revelar, a partir de ontem, no sangue morno de pessoas simples que serão trucidadas no Iraque. Tão inocentes quanto os inocentes do World Trade Center. As TVs americanas já estão exibindo o formidável espetáculo da guerra, ao vivo e em cores, com intervalos destinados a seus patrocinadores de sempre. Crianças mortas e tenis-air da Nike, escolas destruídas e vaqueiros fumando Malboro, corpos mutilados entregues a seus destinos e modelos siliconados bebendo Budweiser. Com os mortos enterrando seus mortos em um como que videogame alucinado de edifícios indo aos ares, caças F16 dando piruetas e o brilho reluzente de tanques Abram, mísseis Tomahawk e B-52 armados com foguetes teleguiados. Dando forma à radiosa epifania da arte de matar.
Bush tem razões de sobra para fazer essa guerra. Nenhuma delas moralmente aceitável. Primeiro razões econômicas. Como evidente represália à transferência da moeda-padrão das reservas internacionais do Iraque (2001), de dólar para euro, convertendo o país em perigoso exemplo para vizinhos que o poderiam imitar. Ou a circunstância de se dar essa invasão, e não por acaso, no segundo maior produtor de petróleo do planeta. Garantindo o precioso abastecimento dos Estados Unidos. Com a exploração desses poços podendo acabar em mãos de empresas americanas - o que seria uma versão neoliberal e deletéria da mais simples e desavergonhada pirataria. A sagração da rapinagem.
Também razões políticas, igualmente indefensáveis. Como redenção da fraude eleitoral que até hoje ilegitima seu mandato presidencial, o inimigo externo unindo o país. E razões psicóticas. Que, no fundo, esse ódio por Saddam é também vingança pela humilhação sofrida por Bush pai, anos atrás. Cito Sun-Tsé: “Quando um soberano está movido pela cólera e pela vingança, não deve declarar guerra, o general com esses sentimentos não tem condições de comandar uma batalha”.
O filósofo alemão (apesar do sobrenome italiano) Theodor Adorno ensinava que a verdadeira liberdade não consiste em poder escolher entre o branco e o preto, mas em poder negar-se à imposição dessa escolha. O ensinamento vale agora. Não é decididamente razoável que sejamos obrigados a escolher entre o autoritarismo de Saddam e a arrogância de Bush. A consciência cívica não nos deveria levar a nenhuma dessas escolhas. Não queremos Saddam e não queremos Bush, simplesmente. A pergunta certa é - queremos ou não queremos guerra? E a resposta certa é - não.
Chegou a hora dos grandes gestos. Gostaria de ver, por exemplo, o Papa transferindo o Vaticano para Bagdá. Mesmo que apenas por algum tempo. Ou um rodízio de presidentes de países importantes, fazendo o mesmo. Inclusive o Brasil. Para comprovar, na prática, o tamanho do desvario de Bush. Para ver se ele continuaria atacando, com o risco de matar tanta gente ilustre. Gandhi, vivo fosse, certamente já estaria por ali. Que sua trajetória nos sirva de inspiração.
Depois de Saddam, quem virá? Arafat? Fidel? Kadafi? Ou a internacionalização da Amazônia? Haverá algum limite ético para a prepotência? Prepotência localizada. Que o generoso povo americano não pode ser confundido com esse político menor, que é Bush.
P.S: A definição de Bush para a matança de agora, como uma “Guerra Santa”, é um vilipêndio à santidade e um insulto à
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