"> Brasil: informal por conveniência

 

Economia - 07/12/2002 - 18:18:52

 

Brasil: informal por conveniência

 

Renato Fracaroli (*) com agências

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

O Brasil é campeão em muitas coisas, mas nas últimas décadas tem sido campeão num item pouco agradável, a “falta de bom senso” dos governantes, inclua-se aí os membros do Congresso Nacional e do Senado. Mais do que evidente, o país necessita de uma reforma fiscal e principalmente tributária. Fala-se muito na informalidade como a principal forma de evasão fiscal, mas observam-na principalmente nas suas pequenas coisas, seja a pirataria mercadológica, o número de trabalhadores na economia informal ou o grande volume de negócios que hoje se acumula em volta deste crescente setor econômico. Pequenas coisas sim, pois, acredite se quiser, o maior volume de recursos sonegados ocorre justamente no setor formal da economia, no setor produtivo e industrial. Aí está a origem do problema e o motivo da própria existência da informalidade menor e da pobreza da população! Ora como isso acontece? É simples, em virtude da atual carga tributária, trabalhista e de alguns fatores humanos como o egoísmo, oportunismo e o “espertismo”, grande parte das empresas possui o famoso “caixa dois”. Sem este artifício, muitas empresas não conseguem ser competitivas no mercado e ficam a mercê da concorrência que o tem ou daquelas empresas que possuem maior poder econômico. Outro objetivo do “caixa dois”, além do equilíbrio mercadológico é o fato de que estes recursos tem vida própria e o lucro nesta “contabilidade” é líquido, certo e real, situação esta que foge aos princípios de sobrevivência enunciados anteriormente, mas são enraizadas da característica humana dos empresários mais gananciosos. Ocorre que para se utilizar deste fluxo financeiro, as empresas precisam fazê-lo de forma que seu uso não desequilibre sua contabilidade oficial e não contraste com seu volume produtivo. Na prática isso ocorre através da venda dos produtos industrializados por notas com valor abaixo do realmente praticado (o restante é negociado sem documento fiscal) ou até pela venda total sem nota, principalmente quando a empresa detém controle sobre parte da matéria-prima que é utilizada na sua produção. Considere uma empresa que tem capacidade produtiva de obter um faturamento mensal de R$ 2milhões. Se vender com meia nota, R$1 milhão por mês entra no mercado informal. Há também a indústria de transformação, que quando compra matéria-prima totalmente com nota, vende material processado como se fosse um repasse, sonegando impostos como o IPI, por exemplo. Outras, aparentemente idôneas, tem recursos de seu capital social oriundos de outras empresas situadas em paraísos fiscais. Estas últimas constituídas nos seus países de origem com dinheiro do próprio “caixa dois” obtido aqui. Assim, compram matéria-prima e serviços também informalmente, complementam a renda de seus funcionários com “gratificações” e formam capitais paralelos na mão de “laranjas”. Forma-se assim uma economia paralela e aqui de um volume financeiro informal significativamente expressivo se comparado com aquele que vemos todo dia na televisão que é a de um simples camelô desempregado ou vendedor de CDs pirata. Isto tudo é um fato e um fato não se discute! Mas os governos não sabem disso? Sabem e em todas as esferas, Federal, Estaduais e Municipais! Mas ao que parece essa “falta de bom senso” é mais conveniente. Explicando melhor... Não é conveniente ao grande empresariado que o “caixa dois” termine, pois seus lucros nesta faixa são extremamente meteóricos. Em certos casos, é melhor pagar altas alíquotas das partes que venham a ser realmente tributadas do que abrir mão deste artifício. Por outro lado, muitos políticos possuem grandes empresas e além deste mesmo interesse, possuem outros, como exemplo, obter recursos para pagamento de propinas, acordos e verbas não oficiais como de suas campanhas políticas que certamente ainda tem grande parcela calcada neste tipo de dinheiro, contrariando o que se diz atualmente na televisão. Obviamente a carga tributária de qualquer produto poderia ser baixada, se toda essa informalidade fosse convertida para o lado oficial, mas como faze-lo de forma que os empresários não a continuem praticando mesmo se o governo fizesse sua parte baixando as alíquotas? Ora é simples, controle do processo produtivo! Fiscalização individual direta, séria, sem interesses pessoais, sob penas severas do Estado ao fiscal corrupto e a aplicação de toda a carga tributária na origem, na produção ou industrialização para evitar a seqüência de sonegação dos repasses comercias. Seria o caso, por exemplo, de nomear fiscais para atuar especificamente em uma determinada indústria no sentido de acompanhar itens simples como capacidade de produção, volume produzido e principalmente o preço e destinação dos produtos conforme sua qualidade. Um produto que tem a mesma qualidade não pode custar metade do preço do mesmo produto feito pelo mesmo fabricante que só tem um detalhe de nome trocado para efeito de meia nota-fiscal. Hoje, quando fiscalizadas, as empresas fazem apenas acordos de ajustes fiscais para futuro, ou muitas vezes, “acordos” com os próprios fiscais. Quanto gastariam os governos, para manter um fiscalizador numa empresa como a citada no exemplo acima, se comparados o valor mensal sonegado com o custo mensal funcional deste fiscal? A participação do comércio e serviços continuaria tendo a tributação sobre o lucro, mas se a cadeia inicial for funcional, pode ser uma contribuição bem menor que a atual, pois será sobre o todo. Isso faria com que o comércio vendesse mais, empregasse mais e conseqüentemente comprasse mais das indústrias. Hoje, nós, o povo, pagamos esta conveniência político-empresarial. Pagamos altas alíquotas de impostos sobre os produtos e sobre nossos salários e ao mesmo tempo deixamos de receber os benefícios que poderiam ser gerados pela sonegação. Quando concordamos felizes em receber as chamadas “gratificações complementares”, deixamos de lado nossos direitos trabalhistas e engrossamos o bolso dos patrões. O desemprego que vivemos e que os candidatos políticos possuem “receita de bolo” para resolver está obviamente vinculado à falta de crescimento econômico, mas não será resolvido se não houver melhor distribuição de renda que só pode ser gerada através de um modelo social em que o empresariado e o próprio governo consigam enxergar que a riqueza do país e de suas empresas depende única e exclusivamente da riqueza da população, promovida pelo real interesse produtivo mas não pelo oportunismo e pela especulação. O povo brasileiro não é pobre. Pobre é o espírito humano de poucos que julgam poder ser donos de alguns. (*) Renato Fracaroli é representante comercial.

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