Caneta importada, aparelho de TV e bebidas finas não foram os únicos "mimos" enviados para alguns policiais da Superintendência da Polícia Federal (PF) do Rio de Janeiro, na capital fluminense. Outro "agrado" foi um show de mulatas da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, com a presença de ritmistas. A Azul-e-Branca da Baixada Fluminense animou confraternização de fim de ano de 2005, ainda na gestão do ex-superintendente José Milton Rodrigues - um dos alvos da Operação Cerol, desencadeada há uma semana.
O evento, realizado em dezembro no pátio da instituição, provocou descontentamento na maior parte do efetivo da PF, que avaliou como inadequados tanto o "palco" quanto a "atração". Primeiro, consideraram que um show de mulatas nas dependências da PF não combinava com a seriedade da instituição, o que poderia colocar sua credibilidade em xeque.
Além disso, a época era de crise: em setembro, haviam sido furtados R$ 2 milhões de um cofre na sede da instituição. O dinheiro tinha sido apreendido pela PF de suspeitos de tráfico internacional de drogas durante a Operação Caravelas. Ao todo, 60 agentes ¿ entre eles cinco delegados ¿ são investigados pelo sumiço da quantia.
Samba e contravenção
Na Operação Cerol, foram presos 17 acusados de corrupção, entre eles delegados, empresários e advogados. O grupo foi liberado pelo desembargador Abel Gomes, do Tribunal Regional Federal, cinco dias depois.
Quem promove as festas, com a ciência da superintendência, é a Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal (Ansef/RJ), que, em novembro do ano passado, levou sambistas da mesma escola para representar a PF do Rio nos Jogos de Integração da Polícia Federal (Joids) em Salvador, Bahia.
Fontes da PF garantem que um antigo dirigente da Ansef/RJ tem ligações com contraventores, que seriam o elo entre a associação e escolas de samba. Ritmistas e mulatas não recebiam cachê. As apresentações eram uma "cortesia".
Além de samba e mulatas, os policiais investigados teriam sido homenageados em festas de alto luxo no Jockey Club. O DIA mostrou com exclusividade no domingo que até prostitutas e bebidas foram pagas por empresários para animar ¿festinhas¿ de dois policiais federais investigados.
Segundo escalão
O grupo acusado pelo serviço de inteligência recebia as vantagens, segundo os relatórios da PF, em troca de favorecimento nos inquéritos que tramitavam nas delegacias Fazendária, Previdenciária e Financeira. De acordo com investigadores, havia um "segundo nível hierárquico" no grupo, que seriam "auxiliares ou intermediários de vantagens no âmbito da unidade policial e outras repartições públicas".
Dança dos códigos na Associação
De acordo com relatório da Divisão de Contra-Inteligência da PF, a música também servia de inspiração aos investigados na Operação Cerol. Nas conversas telefônicas, usavam códigos para dificultar a compreensão em eventual "grampo". O escrivão Álvaro Andrade da Silva, por exemplo, tinha cinco celulares, além de rádio, para dificultar o rastreamento. Em trecho transcrito, há um diálogo entre ele e o advogado Monclar Gama - do escritório de advocacia Michel Assef - no qual cita a Ansef.
Monclar: Fala meu amigo.
Álvaro: Tudo bem?
Monclar: Tudo bem. Olha aqui, ó. Duas e meia eu vou aí. Mas... é alguma coisa daquela aula de dança?
Álvaro: Não. Eu tô trazendo um menino para tocar.Dar uma aula lá na Ansef... Eu tô convidando só os alunos gente boa, que conhecem alguma coisa de violão, para tocar... Aí eu queria ver se você vai fazer aqui ou lá na associação.
Monclar: Vou com o maior prazer então.
Lista indicaria preço de delegado
Ontem, a reportagem mostrou, com exclusividade, que os advogados Tarcísio Pelúcio e Mário Jorge Campos Rodrigues - integrantes do grupo de 17 suspeitos de participação no esquema - tinham acesso a informações privilegiadas das investigações feitas pela PF. E possuíam listas com valores, número e nome dos inquéritos. Relatório preliminar da Divisão de Contra-Inteligência da PF considera que os valores - que chegam a R$ 100 mil - abaixo da palavra "Delegado" podem indicar pagamento de vantagens.
Além disso, o ex-superintendente José Milton Rodrigues e o ex-diretor executivo da PF Roberto Prel receberam presentes de Pelúcio, supostamente em nome de empresários. Contra Rodrigues, também foi expedido mandado de prisão, mas ele passou mal e foi para o Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, onde ontem foi submetido a cirurgia cardíaca e passa bem.
Na sala de Prel, foi apreendido cartão de visita de Pelúcio no qual ele deseja que o "amigo" delegado apreciasse o uísque Grand MacNish que recebeu de presente. Também pede que Prel entregue duas garrafas de vinho ao "chefe", supostamente Rodrigues.
Já o ex-corregedor Jairo Kullmann e uma funcionária do setor de passaportes receberam, cada um, uma caneta Cartier. As duas foram compradas em Ipanema por R$ 1.740. Além disso, gravação telefônica mostra que Pelúcio negociou com Kullmann uma TV 32 polegadas por conta da ajuda que teria recebido em inquérito.
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