O presidente Luiz Inácio Lula da Silva questionou, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, veiculado na noite desta segunda-feira, a autoridade política da oposição para pedir um processo de impeachment contra ele. Segundo Lula, toda a imprensa e o povo apóiam sua permanência no governo. "Eu acho hilariante o PFL tentar pedir impeachment do presidente. Qual é a prova?", perguntou. Em uma entrevista de cerca de 1 hora e 40 minutos, Lula falou de corrupção, democracia, economia, reeleição e, num momento mais descontraído, de futebol, entre outros temas. O presidente reconheceu que, pelo cargo que ocupa, tem responsabilidade sobre os fatos que vêm sendo denunciados contra o governo. "Sabendo ou não sabendo é sempre responsabilidade do presidente da República", disse. Entretanto, rejeitou com veemência a existência do chamado mensalão, afirmando ter certeza de que o processo não existiu. "Estou convencido de que esse negócio de mensalão cheira um pouco a folclore dentro do Congresso Nacional", afirmou.
José Dirceu
Lula fez sua mais forte defesa pública do ex-ministro e deputado José Dirceu (PT-SP), acusado de ser o mentor do mensalão. Perguntado se seria testemunha de defesa do ex-ministro-chefe da Casa Civil, Lula respondeu: "Eu sou, por que qual é a prova contra o José Dirceu? Qual é a acusação contra o José Dirceu?"
"A tese original era de dinheiro público nas contas do PT e até agora não tem comprovação. Não posso dar essas denúncias como verdade, porque estaria cometendo uma injustiça", afirmou. Contudo, declarou que politicamente, o Congresso está condenado a cassar o mandato de Dirceu.
Roberto Jefferson
Lula também descartou as denúncias de que teria dado um cheque em branco ao ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). "Eu acho que tem uma tentativa de jogar denúncias em cima de todo mundo sem investigar. As denúncias têm que ser feitas quando houver provas". Ao ser questionado sobre os boatos de que tinha chorado quando soube das acusações de Jefferson, Lula respondeu: "Não cheguei a chorar, mas fiquei indignado."
Segundo o presidente, Jefferson foi cassado por não ter comprovado as denúncias que fez sobre o "mensalão". "Jefferson prestou um desserviço à nação. Ele motivou suspeições sobre todo mundo, sem provas. As denúncias só devem ser feitas se tiverem provas", disse.
Dinheiro de Cuba
Com relação às denúncias da revista Veja sobre o dinheiro que o governo teria recebido de Cuba para financiar a campanha presidencial, Lula afirmou: "Não posso acreditar, conheço a miséria que Cuba está vivendo. Essa é um tipo de acusação inacreditável. Digo de coração que não acredito que Cuba tenha dinheiro para dar", disse Lula.
Eleições 2006
Quando foi indagado qual candidato preferiria enfrentar no segundo turno das próximas eleições presidenciais, respondeu: "Não escolho adversário, pois ainda não sei se vou ser candidato. FHC terminou seu segundo mandato sufocado, com Bush está sendo a mesma coisa. Quero ter certeza que vou fazer um mandato melhor do que o primeiro. Vou pensar com carinho nessa questão. Acho que a reeleição não é um bom instituto", acrescentou.
O presidente também foi indagado se uma futura não-candidatura poderia representar um passo para assumir sua culpa nas denúncias. "Em tese, eu sempre fui contra a reeleição".
Traição
Durante a entrevista, o presidente se negou a responder se ele acha que foi traído por José Dirceu. "Eu já disse que não vou citar nomes", disparou dizendo que antes de opinar vai esperar pelo final do processo. "Você só pode acusar alguém se tiver provas ou indícios muito fortes", justificou.
Em contrapartida, Lula disse que se sentiu traído com as denúncias de corrupção em seu partido, o PT. "Me senti traído porque eu sei o quanto eu lutei por este partido. Alguns companheiros tiveram um comportamento que não se coadunava com o do PT. O dinheiro fácil nunca fez bem para ninguém na história da humanidade. Por isso eu acho que eu fui traído", afirmou. O presidente ressaltou, no entanto, que o partido conseguirá retomar a imagem desgastada pela crise: "Acho que o PT vai recuperar a imagem que construiu ao longo de 20 anos na sociedade brasileira."
Filho
O presidente disse também não ver problemas em relação aos negócios de seu filho, Fábio Luís, com a empresa de telefonia Telemar. "A Telemar é uma empresa privada. Todo mundo lembra como foi a sua privatização", afirmou, acrescentando que os filmes produzidos por seu filho têm mais audiência do que o canal MTV. "A Comissão de Valores Mobiliários está analisando o caso", sintetizou.
Viagens
Lula contou ainda que desde sua posse na Presidência "nunca trabalhou tanto". E que as viagens internacionais contribuíram para melhorar o desempenho da balança comercial. Ele defendeu a compra do avião presidencial: "Esse País tem que se respeitar. Espero que a vinda do presidente George Bush tenha dado nova visão aos hipócritas. O avião não é meu. É do presidente da República".
Rio São Francisco
Sobre a integração do rio São Francisco às bacias hidrográficas do Nordeste, afirmou que "as obras vão ocorrer, seja daqui a um mês ou daqui a um ano". E que "o governo tem obrigação de levar água a mais de 12 milhões de brasileiros". Ele mencionou os focos de febre aftosa em rebanhos brasileiros, destacando que a carne do gado contaminado com o vírus da doença não é prejudicial para o ser humano. "O Brasil tem que assumir a responsabilidade para banir esta doença do País. O cidadão que não vacinar, tem que passar algum tempo de castigo para aprender a ter responsabilidade", disse.
Relação com imprensa
Ao ser questionado se acredita que a imprensa o está "linchando", Lula disse que tem críticas sobre a imprensa, mas que deve a ela muita coisa, como sua eleição. "Acho que tem coisas que deveriam ter mais destaque e não tem, é isso", justificou. "Não existe um político que não fale mal da imprensa. Temos uma relação de amor e ódio."
Lula disse que já fez diversas críticas à imprensa, mas destacou que não evita a mídia. "Não sei se existe um presidente na história do Brasil que faça tantos pronunciamentos quanto eu faço", afirmou.
"Valeu a pena"
No final do programa, o presidente foi indagado se valeu a pena ser eleito presidente do Brasil. "Tenho certeza que valeu a pena. Tenho razões de sobra para acreditar no País que gerou o número de empregos que geramos, um País que fez o que fizemos com a economia, que criou vagas através do Prouni. Estamos cumprindo nosso dever", afirmou.
O presidente foi o entrevistado da milésima edição do programa. A negociação levou seis meses e foi fechada na semana passada. A entrevista foi gravada na tarde de segunda-feira, na Sala de Audiências do Palácio do Planalto, em Brasília. O presidente foi entrevistado pelos jornalistas Augusto Nunes, Rodolfo Konder, Matinas Suzuki, Roseli Tardeli e Heródoto Barbeiro. No início do programa foram apresentados trechos de participações anteriores do presidente.
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