Que os negócios entre o Brasil e a China esbarram nas diferenças culturais não é novidade alguma. Mas outro fator importante, ainda pouco comentado, e que tem peso ainda maior no atravancamento das relações comerciais entre os dois países é a diversidade jurídica.
Não temos a intenção de formular teses, nem poderíamos, pois não temos a formação histórica e sociológica necessária a tanto. Nossas opiniões decorrem da nossa própria experiência, como advogados, na representação, há mais de 12 anos, de investidores chineses. Nossas conclusões são factuais e pontuais, mas não menos corretas.
Tanto brasileiros como chineses são desconfiados e, portanto, têm receio da lei que se aplicará ao contrato negociado. Receio muitas vezes justificado pelo completo desconhecimento das leis e pela incerteza recíproca da imparcialidade dos tribunais da outra parte.
Assim, na hipótese do assunto em discussão não demandar, por força de lei, a aplicação da legislação brasileira ou chinesa, as partes buscam acordar a adoção de uma legislação internacionalmente conhecida e imparcial para regular as relações jurídicas durante as negociações.
A escolha de tal legislação, afora dificultar um pouco mais o entendimento entre as partes, onera substancialmente o negócio, pois o conhecimento da legislação escolhida é fundamental, o que obriga ambos os lados a contratarem "experts" no direito escolhido. Expande-se, desta forma, o leque dos envolvidos no processo, cujas opiniões deverão ser proferidas e analisadas, tornando, assim, ainda mais demorada a negociação.
As praxes ocidentais e usuais de uma empresa privada, isto é, as estruturas societárias, a formulação de estatuto e de acordo de acionistas/quotistas, a divisão de poder social e as formas de solução de conflitos também precisam ser administradas ante os receios e desconhecimento recíproco. Neste ambiente, a busca desenfreada da segurança jurídica às vezes engessa e até inviabiliza a concretização dos negócios.
Apesar de o Brasil e a China serem muito diversos juridicamente, há também semelhanças em alguns aspectos. Somos todos excessivamente burocráticos, dependentes de autorizações e registros. Neste aspecto, porém, o exemplo chinês é mais eficiente e deveria ser objeto de análise dos legisladores brasileiros.
"Tanto brasileiros como chineses são desconfiados e, portanto, têm receio da lei que se aplicará ao contrato negociado"
A legislação chinesa permite ao investidor estrangeiro a constituição de "representative offices" (escritórios de representação) que têm como objetivo viabilizar a pesquisa, análise e, por fim, o conhecimento do mercado chinês anteriormente a qualquer tipo de investimento em si.
Estes representative offices podem ser constituídos sem a necessidade de capital mínimo e registrado. A vital importância desta instituição é que, apesar de não permitir a realização de operações comerciais em território chinês, abre a porta para o investidor elaborar sua decisão de investir baseado na própria experiência adquirida in loco.
Tal figura jurídica inexiste no Brasil. O investidor estrangeiro é obrigado a iniciar efetivamente as suas atividades no país, com a constituição de sociedade, capital registrado, e, o que é pior, a exigência da presença de um brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil - ou com visto de trabalho permanente - para figurar como procurador do investidor e representante legal da sociedade. Para a obtenção do referido visto, o investidor estrangeiro ou a empresa tem a obrigação de investir, no mínimo, US$ 200 mil.
Vários investimentos deixaram de ocorrer nestes anos por não terem os investidores pessoas de sua estrita confiança que estejam aptos a assumir tais posições e, também, por acharem arriscado demais investir a quantia mínima exigida sem antes ter um conhecimento básico sobre o mercado brasileiro.
Apesar das diferenças e dificuldades entre os dois países, os empreendedores de ambos os lados estão fazendo de tudo para continuar a desenvolver as relações comerciais entre o Brasil e a China. O encontro das duas culturas já ocorreu, o entendimento está se processando e os resultados têm excelentes prognósticos, e, quiçá da mescla dessas culturas atinja-se a tão almejada desburocratização recíproca.
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