Turma de lá... turma de cá

 

Opinião - 03/03/2003 - 19:22:15

 

Turma de lá... turma de cá

 

Arthur Carvalho (*) .

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

Arthur Carvalho (*) Pensei que declarações preconceituosas como essa do companheiro Graziano fossem coisas do passado, que morressem com a extinção da UDN e suas sucessoras. O pior é que o companheiro Graziano é incompetente: os nordestinos que emigram para o Sul não são os culpados pela delinqüência de lá. Pesquisas recentes constataram que os assaltos e outras modalidades de criminalidade dos favelados do Rio e de São Paulo são praticados pela turma de lá mesmo. A incidência de nordestinos nesse setor é mínima, negócio para 1%, 2%. O nordestino vai pro Rio e São Paulo em última instância: “Só deixo o meu Cariri no último pau de arara”. E assim que pode, regressa ao sertão velho. Pude constatar isso, pessoalmente, no Rio, na semana passada. Fui almoçar no Antiquarius, na vã esperança de encontrar, de repente, Chico Buarque, um de seus assíduos freqüentadores. E conversei com os garçons. Noventa por cento deles são cearenses e paraibanos. O mais loquaz me disse que ganha bem mas gostaria de voltar para o Ceará um dia. Talvez faça como muitos: juntam um dinheirinho e montam seu próprio negócio na cidade natal. Veja, companheiro Graziano, que o dinheiro não é tudo. Nem todo nordestino quer morar em cidades poluídas, agigantadas, feias e tristes como São Paulo da garoa. Por incrível que pareça, o cearense do Antiquarius quer trocar a deslumbrante vista do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar e da Pedra da Gávea pelo xique-xique, o mandacaru, o canto do sabiá e do galo-de-campina. Pela caatinga abrasadora. É a força telúrica destas plagas, que gerou figuras humanas como Graciliano Ramos, Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi – nenhum deles assaltante de paulista. Os nordestinos não emigram para roubar os sulistas. Pegamos um táxi do Galeão para o hotel onde nos hospedamos, em Ipanema, pegamos cinqüenta reais. Fizemos o mesmo percurso de volta, num Vectra novinho, com ar-condicionado, por trinta. Seu motorista, Lopes, é recifense da Torre. Gentil, asseado e educado, Lopes morava em Copacabana mas mudou-se para São Gonçalo em busca de sossego. “Em Copacabana eu não dormia, com o barulho e o tiroteio dos morros, em São Gonçalo, apesar da distância, durmo tranqüilo” – desabafou. E contou a violenta perseguição da fiscalização municipal aos camelôs, muitos deles nordestinos, que não foram pra lá matar ninguém. Lopes e os garçons do Antiquarius integram o time dos nordestinos vencedores em suas humildes profissões, que ganham a vida honestamente no Rio. O interessante, companheiro Graziano, é que, mesmo estando em situação econômico-financeira estável, eles sonham em voltar pra sua terra. Onde o avião decola e aterrissa tranqüilamente, sob o sol amarelo e o céu azul, em tempo bom. No Galeão, encontrei dois rubro-negros pernambucanos: Fernandão e Bertini. Reclamavam de terem perdido a viagem porque balançou muito do Rio até entrar em Pernambuco, onde pegou céu de brigadeiro e pousou macio. Em vez de dizer asneira aos empresários paulistas, numa atitude bajuladora e subserviente, indigna para um ministro (até quando?) V. Exa. poderia aconselhar os bacanas do Sul e não consumir drogas. Assim, os traficantes não teriam mercado para colocar seus produtos. E, em vez de mandar fabricar veículos blindados para “proteger” os ricos dos pobres, o companheiro Graziano poderia mandar fabricar tintureiros para transportar com maior segurança os ladrões de colarinho de lá que vão depor do foro. Torço para que a mesma alma boa e generosa que abriu uma conta corrente em nome de Silveirinha, na Suíça, nela depositando trinta e três milhões de reais, se lembre dois retirantes nordestinos e contemple cada um deles. A providência talvez evite que os ricaços paulistas precisem blindar carros. (*) Arthur Carvalho é advogado e jornalista

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