O cargo de presidente da República não tem que ser exercido, necessariamente, por intelectuais, professores, doutores ou pessoas que têm, ao menos, uma graduação em curso superior. O Brasil levou muito tempo para eleger um presidente da classe trabalhadora, de poucas letras, embora inteligente e perfeitamente capaz de assimilar e processar informações, dados estruturais ou conjunturais, de ter uma visão estratégica sobre o País e o mundo. Isso foi, certamente, um passo à frente em nosso caminho para a democracia, pois a grande maioria do povo brasileiro vê no presidente Luiz Inácio Lula da Silva um dos seus, uma pessoa comum, que teve de migrar fugindo da seca e progrediu na vida por sua vontade de ser gente, sem perder suas raízes populares. Um presidente, porém, não é somente um cidadão como os outros. Ele é o chefe do Estado e do Governo, e tem um papel simbólico ao personificar a autoridade, presidir a República, representar o País. O ex-presidente José Sarney resumiu tudo isso quando falou em ‘liturgia do cargo’ de presidente da República. Até agora, o presidente Lula não parece ter tomado consciência da necessidade de celebrar essa liturgia, cumprir certos rituais inerentes ao seu cargo. Fazemos estas observações quando muitas críticas e reclamações mais insistentes estão sendo feitas a respeito do hábito de Lula de falar de improviso, mesmo tendo em mãos um discurso preparado por assessores (que existem exatamente para pesquisar os temas, estudar as possíveis repercussões das palavras presidenciais, evitar polêmicas desnecessárias). Recentemente, falando no interior da Paraíba, Lula chegou a chamar de covardes antecessores seus, por não haverem feito as reformas necessárias à modernização do País; esquecendo, em seu arroubo oratório, que dois ex-presidentes, o próprio Sarney e Itamar Franco, são seus aliados políticos. Algum tempo atrás, suas referências a uma ‘caixa-preta’ do Poder Judiciário causaram um mal-estar que dura até hoje, prejudicando a boa relação que deve existir entre os três poderes, e a tão almejada e adiada reforma daquele poder. Por conta disso, o presidente do Supremo Tribunal Federal, que é o chefe do Poder Judiciário, vem criticando Lula publicamente, inclusive em dura entrevista à revista Veja. Ora, o destempero verbal não cai bem nem em pessoas comuns, muito menos na boca de autoridades como o presidente da República e o presidente do STF. Diante disso, até mesmo correligionários e aliados políticos do presidente Lula estão demonstrando preocupação com os seus improvisos, e também com gestos como o de pôr na cabeça boné do MST (um movimento que extrapola a reforma agrária, aproximando-se perigosamente de ações de guerrilha), e com os constrangimentos daí decorrentes. Apesar de todas as limitações herdadas de crises constantes e de acordos draconianos impostos pelo FMI durante o Governo passado, Lula tem se saído bem em algumas frentes, como o encaminhamento das reformas e uma política externa mais ativa na defesa dos interesses nacionais. Desejamos que melhore ainda mais seu desempenho. É urgente que ministros e assessores mais próximos do presidente o alertem para o problema em foco, mostrando-lhe o inconveniente de improvisos, sobretudo nas ocasiões de contato direto com o povo mais humilde, quando ele se deixa levar pela emoção, que pode turbar a razão. Não se trata apenas da liturgia do cargo de presidente a que se referiu Sarney. Razões mais institucionais lhe recomendam evitar criar atritos com outros poderes; e razões práticas o aconselham a manter bom trânsito em todos os segmentos. A popularidade de Lula vem se mantendo, apesar dos arrochos financeiros. Ele pode muito bem dispensar improvisos e gestos populistas.
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