A Presidência da República reconhece que o projeto de Reforma Tributária proposto pelo Executivo, mesmo aprovado pela Câmara, não passará incólume pelo Senado Federal. Mas, isso lhe parece aceitável, desde que não se mexa na distribuição proposta para os recursos a serem arrecadados, inclusive os decorrentes da prorrogação da CPMF (até o final do atual mandato), com a mesmíssima alíquota de 0,38%, que muitos sonharam em ver diminuída para 0,08%.
Fazendo-se uma rápida análise do conteúdo do debate que vem sendo travado sobre o assunto na “Ilha da Fantasia” chamada Brasília, a refrega maior, nessa reforma tantas vezes adiada, parece ser a que se trava entre os representantes da União, dos Estados e dos municípios, para saber quem sai ou não sai ganhando, enquanto o País Real, aquele que produz e distribui as riquezas, tem sido deixado para segundo plano. O máximo que se diz, para tranqüilizar os empresários e a totalidade dos contribuintes, é que não vai haver aumento da carga tributária. E isso traz implícito o desejo de manter a escorchante carga atual. Mas não foi exatamente para suavizar esse pesadelo que a opinião pública brasileira esperou por tantos anos a iniciativa do governo definindo os termos da reforma tributária desejável? Um texto do francês Chamfort (1741-1794) fez sucesso entre os tributaristas do século XIX. Dizia ele que, ao ser baixada uma lei taxando as fortunas mais exageradas da nobreza, um rico desabafou: “Quem pode ser feliz nesta época? Só alguns miseráveis”.
Hoje, a estes últimos chamaríamos de excluídos, que aparentemente não pagam impostos. Mas, mesmo eles, ao comprar uma caixa de fósforos ou um pão, estarão pagando, sem o saber, um imposto indireto, o tão diversificado e complicado ICMS. Se ouvissem o noticiário de todo dia sobre a reforma tributária que está no Congresso, nem os miseráveis estariam satisfeitos, caso tivessem a consciência de que são também contribuintes. O imposto indireto é o mais injusto dos tributos, pois recai igualmente sobre rendas desiguais.
Quanto a isso, a reforma do Governo Federal pouco pretende fazer, ficando à espera da boa vontade dos Estados no sentido de que reduzam a carga tributária para a cesta básica. A vontade de contribuinte não entra em discussão, pois ele não foi chamado para o debate. A discussão de se vai haver manutenção (ou até aumento) daquela carga chegaria a ser risível se não fosse trágica, se não camuflasse a verdade de que o crescimento econômico depende da redução do garrote estatal. Alguns líderes nacionais, independentemente do partido a que estejam filiados, não estão caindo nessa armadilha. Mas, suas vozes parecem quase em surdina, se comparadas ao tom da ruidosa e falsa polêmica sobre a distribuição do bolo entre os diferentes comensais.
É possível que algumas delas sejam ouvidas no Senado, que é instância a dar a feição definitiva a esse esboço bem ou mal intencionado de mudar o sistema de cobrança de impostos no País. Uma dessas lideranças que vêm desnudando os interesses por trás da falsa discussão é a do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Horácio Lafer, que considera “um boi de piranha” a retórica oficial de que não vai haver aumento da carga tributária. Ele chega a ser irônico sobre a tentativa do governo de fazer o País festejar a manutenção da esdrúxula carga atual, que emascula o poder de crescimento de nossa economia.
Se é para manter as coisas como estão, é melhor deixar para depois a mais crucial das reformas, pois mexe com o bolso de todos, até dos miseráveis da historinha de Chamfort. É necessário lembrar que dessa reforma ninguém está excluído. Mas, o projeto que está no Congresso lembra a frase irônica do Príncipe de Lampedusa, no seu livro O Gato Pardo: “É preciso mudar, para continuar tudo como está”.
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