Cena comum até os anos 90: o carro automático entrava na oficina e o mecânico já fazia careta. "Lá vem problema", pensava. Hoje o preconceito não existe mais. E, com os constantes engarrafamentos e horas perdidas no trânsito, os automáticos deixaram de ser vilões para virar mocinhos.
O professor Gabriel Daher sabe bem disso. Convidado a trabalhar na Universidade Federal Fluminense (UFF), o morador da Barra se viu no desafio quase diário de enfrentar o trânsito da Avenida das Américas e da Ponte Rio-Niterói em horários complicados. A solução foi trocar seu Palio manual por um Honda Fit usado, com câmbio automático CVT.
“Paguei mais pelo Honda, mas não me arrependo. São, pelo menos, duas horas diárias no trânsito e tenho algum conforto”, diz.
Gabriel não está só. De janeiro a junho deste ano, 23,4% dos carros vendidos no Brasil eram automáticos ou automatizados, segundo dados da JATO Dynamics. A tendência cresce a cada ano, principalmente com a recente popularização destes tipos de transmissão nos modelos de entrada.
O aumento dos automáticos nas ruas trouxe conforto, mas ainda faltam informações sobre cuidados básicos com este tipo de transmissão. O Fit de Gabriel tem 30 mil quilômetros no hodômetro, mas seu dono nem imaginava que um dia teria que conferir o óleo da caixa de marchas, até ser perguntado a respeito. Também não sabe dizer se o antigo proprietário teve esse cuidado alguma vez.
“No caso do Fit, é bom verificar o óleo aos 60 mil quilômetros. Não é preciso trocá-lo, apenas observar o nível e, se for o caso, completar “, explica o engenheiro Alfredo Guedes, Supervisor de Relações Públicas da Honda.
Todo o funcionamento de uma caixa automática depende da circulação de óleo entre palhetas e válvulas que trocam as marchas dependendo da necessidade. O óleo desse tipo de câmbio é bem fino, de cor avermelhada e feito para trabalhar em altas temperaturas.
O principal cuidado é se certificar de que o óleo está sempre no nível certo. Isso deve ser feito periodicamente (de forma mais constante em modelos antigos) e antes de viagens longas. A vareta de medição às vezes fica bem escondida, perto do volante do motor e, por isso, às vezes é esquecida.
No sinal, Neutro ou drive?
Para a verificação do nível do óleo do câmbio, o motor deve estar funcionando e na temperatura normal. Muitos modelos modernos nem têm vareta: é preciso levar o automóvel a uma oficina para fazer a inspeção, nos prazos previstos no manual.
Se o nível de óleo estiver baixando demais, nada de tentar remediar só completando o fluido. Isso é sinal de vazamento: é preciso achar o problema e trocar os retentores.
Com pouco óleo, os discos internos do câmbio (que servem para evitar trancos nas trocas de marchas) se desgastam. Para o motorista, a impressão é de que se está ao volante de um automóvel manual com "embreagem patinando".
Se o carro continuar rodando, a situação se agrava: misturada ao óleo, a limalha proveniente do atrito dos discos acaba estragando rolamentos. Sedimentos podem entupir as passagens de óleo das válvulas e até travar o sistema. Em casos extremos, o planetário — um dos componentes mais caros da transmissão automática — também é danificado, ocasionando ruídos metálicos.
Desde junho, o Peugeot 307 automático da empresária Paula Queiroz dá fortes trancos quando começa a rodar e uma insistente mensagem "caixa de velocidades com defeito" é exibida no computador de bordo. Pior: o responsável pela assistência técnica da marca diz que não identifica o defeito.
“Um mecânico particular chegou a dizer que a causa poderia ser má utilização. Mas quando comprei o carro 0km não me falaram o que eu deveria, ou não, fazer “, reclama a empresária.
Alguns cuidados básicos garantem a maior durabilidade do conjunto. São ações simples como, por exemplo, puxar o freio de mão antes de pôr o seletor do câmbio na posição P (parking), na hora de estacionar.
“Assim se elimina um eventual esforço no desengate, além de leves trancos “, explica Paulo Riedel, diretor de Engenharia de Powertrain da GM América Latina.
Uma dúvida comum é se vale a pena pôr o câmbio em N (neutro) no sinal fechado. Quem tentar encontrar orientações na internet vai se deparar com informações contraditórias.
Os especialistas que consultamos garantem que a maioria das transmissões automáticas modernas são inteligentes e procuram o "neutro" sozinhas quando o veículo está imóvel depois de um certo tempo. Se há alguma economia de combustível, é tão insignificante que não deve ser considerada.
A proprietária do Peugeot 307 deixa escapar que, em manobras na garagem, não costuma esperar o carro parar completamente ao passar de D (drive) para R (ré) — e vice versa. Mas afirma que não teve essa orientação quando o modelo foi comprado.
“Esta ação sobrecarrega o sistema e pode reduzir a vida útil do câmbio”, alerta o engenheiro Luso Ventura, diretor de Comissões Técnicas da SAE Brasil.
Outro ponto importante é em relação ao freio motor. Em descidas íngremes e prolongadas (numa serra, por exemplo), deve-se manter o seletor em uma marcha reduzida e usar o freio motor. Quem deixa sempre em D sobreaquece os freios, que podem ter os discos avariados em pouco tempo.
Um automóvel com câmbio manual, geralmente, tem manutenção mais simples e barata. Mas há vantagens para os automáticos. Como a caixa realiza as trocas de marcha sempre no "momento certo" e não há embreagem, o tempo de vida útil de algumas peças do motor é maior.
A linha AL4 da PSA (Peugeot e Citroën)
O famoso câmbio AL4 equipou diversos carros franceses das montadoras Peugeot, Citroën e alguns da Renault.
Muitos consumidores reclamam desse câmbio, mas na realidade os maiores responsáveis são os importadores brasileiros.
“Fui à concessionária e disseram que não precisa trocar o óleo do câmbio e nem efetuar qualquer tipo de manutenção. Nas revisões sequer olharam para ele”, diz Fernanda empresária proprietária de um C5, da Citroën.
“O meu 308 (Peugeot) teve problemas de câmbio e a única solução indicada pela concessionária foi a troca de todo o conjunto. Um absurdo!, disse José Carlos de Santos, na Baixada Santista.
Consultada as marcas Peugeot e Citroën, recebemos a informação de que esses câmbios são ‘inteligentes’ e não necessitam de qualquer manutenção.
Nossa reportagem entrou em contato com a PSA na França e recebemos alguns manuais de treinamento que indicam que o óleo é de longa duração e não há necessidade de trocá-lo a não ser que se indetifique algum desgaste. De acordo com a PSA na França é recomendável efetuar uma vistoria e verificar a situação do óleo a cada 60 mil Km (para tenperaturas europeias), mas indica-se tempos menores para locais onde a temperatura seja muito elevada, como no Brasil.
A Citroën não efetua qualquer reparo em câmbios e eles são enviados para uma empresa terceirizada que, até o fechamento dessa edição, não respondeu aos nossos questionamentos.
O fato de não efetuarem qualquer vistoria ou revisão pode indicar um atendimento errôneo provocando prejuízos ao consumidor. Caso fosse inicado uma revisão nos componentes e uma vistoria para troca ou reposição do óleo, muitos problemas seriam evitados.
O câmbio travou e agora?
Hoje, quase todos os reboques têm prancha — mas, volta e meia ainda se vê um em que o carro vai "pendurado".
Nos carros automáticos com tração dianteira, não há qualquer problema. Nos com tração traseira (Mercedes, BMW etc), o ideal é usar mesmo um reboque com prancha. Sendo impossível, deve-se soltar o cardã. Se não houver como, é preciso pôr o seletor em Neutro, não passar dos 50km/h e não rodar por mais de 50 quilômetros.
Por fim, é preciso ter um cuidado especial com motor de arranque e bateria. Ao menor sinal de problema deve-se procurar um eletricista, já que pôr um carro automático para pegar empurrado é tarefa praticamente impossível.
Aguardem a segunda matéria sobre esse assunto na edição de janeiro de 2014.