A informação é do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e revela o crescimento do número de decretos prisionais em 14 Estados e Distrito Federal. Os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro estão entre aqueles que tiveram maior taxa de crescimento.
O IBDFAM informa que o levantamento foi realizado com dados fornecidos pelas Secretarias de Segurança Pública dos Estados pesquisados.
Mas o debate que quero propor é outro e não este relacionado ao crescente no número de prisões por dívida.
Há tempos tenho refletido sobre essa modalidade de cumprimento forçado da obrigação alimentar.
A Lei, nas hipóteses de não pagamento dos alimentos, prevê duas formas de execução, uma que atinge o patrimônio do executado, através da penhora de bens e outra que atinge a pessoa do alimentado e sua liberdade, através da prisão.
A segunda forma (prisão), objeto deste artigo, é possível para cobrança das três últimas parcelas que não foram pagas e das que se vencerem no curso do processo também sem pagamento.
Acontece que inúmeras são as situações que envolvem o cumprimento da prestação alimentar. Essas situações vão desde a real impossibilidade de cumprimento (desemprego comprovado, por exemplo), pagamento parcial e impossibilidade financeira de suportar o valor arbitrado pelo juiz. Penso que são situações bastante distintas e que, por isso, merecem tratamentos diferenciados.
A pensão tem que ser adimplida, isso não se discute. Se a dívida for a favor de um filho e fixada em patamar condizente com suas necessidades básicas, penso mesmo que é sagrada. Não há justificativa para o desamparo material de um filho. Aceito a discussão sobre o valor, mas não quanto ao dever de assistência.
Pois bem. Acontece que nem sempre a pensão é fixada em patamar condizente com a realidade daquele que paga. Também há inúmeros casos onde a necessidade do alimentado é por vezes superdimensionada. Tanto um caso quanto outro gera um desequilíbrio passível de revisão pelo judiciário.
A revisão do valor fixado, muitas vezes, seja pelo próprio juiz que a fixou ou pelo Tribunal em eventual recurso, remete a situação ao tempo de um processo, que se sabe, não raro, é moroso. Enquanto tramita o pedido de revisão, o valor devido é aquele fixado inicialmente, por mais que possa ser injusto, exagerado ou irrisório, na visão de seus envolvidos (alimentante e alimentado).
Numa situação de fixação exagerada, por exemplo, onde o devedor da obrigação apresenta um pagamento parcial - desde que, repita-se, respeitada as necessidades básicas daquele que recebe o pagamento e com forte indício e prova de que efetivamente não tem o alimentante como suportar o valor fixado, o decreto de prisão se mostra exagerado. Aliás, não se pode desconsiderar que a lei prevê a possibilidade do alimentante justificar o inadimplemento, logo, se o justifica com argumento e prova robusta, o afastamento do decreto de prisão é absolutamente legal.
Pior, se há pagamento parcial, portanto, cumprimento da obrigação, no que o decreto prisional vai ajudar ? Efetivamente, em nada ! Na verdade, prejudica e pode piorar ainda mais a situação do próprio alimentado, pois implicará o recolhimento do devedor, impedindo-o ou dificultando este de trabalhar e, consequentemente, arcar com o pagamento da pensão, mesmo que parcial.
O encargo alimentar deve ser fixado com equilíbrio, em estrita obediência ao trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade, ou seja, devem ser criteriosamente observadas as necessidades daquele que recebe a pensão e a possibilidade daquele a paga.
Assim, o só fato do alimentante possuir confortável situação financeira não garante ao alimentado uma pensão alimentícia em valor superior às suas reais necessidades. Da mesma forma, ainda que comprovadas vultosas necessidades do alimentado, tal fato não garante a fixação de uma pensão elevada se comprovadamente não tiver o alimentante condições de suportá-las.
A prisão do devedor, a nosso ver, tem que ser o último dos recursos admitidos para compelir o cumprimento da obrigação. Em caso onde ainda subsiste discussão fundamentada acerca do valor dos alimentos e desde que esteja o alimentado amparado em suas necessidades básicas, entendo que o decreto prisional não deve se impor.
* Luciane Faraco é advogada especialista em Direito Civil Aplicado e atuante em áreas como Processo Civil, Direito Constitucional, Cível e de Família e Sucessões. Exerce encargo de Curadora Especial e Inventariante Dativa nas Varas de Família de Porto Alegre
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