Bloqueio de poupança de forma ilegal pode ser prática comum no Itaú-Unibanco

 

Economia - 27/01/2013 - 21:04:28

 

Bloqueio de poupança de forma ilegal pode ser prática comum no Itaú-Unibanco

 

Da Redação com agências

Foto(s): Google Maps - 2011 / Reprodução

 

Agência 6419 do Itaú-Unibanco localizado na Vila Tupy em Praia Grande, no litoral paulista

Agência 6419 do Itaú-Unibanco localizado na Vila Tupy em Praia Grande, no litoral paulista

Na semana passada, abordamos o caso da agência 6419, do banco Itaú-Unibanco, que havia bloqueado, administrativamente, sem ordem judicial, conta poupança de cliente, por dívidas com a instituição.

Naquela oportunidade uma funcionária que atendeu a cliente na mesa da gerente da agência e utilizando o computador da gerência haveria, possivelmente, praticado, conforme diversas pessoas ligadas a órgãos de defesa do consumidor, diversos crimes, entre eles o de estelionato, falsidade ideológica, coação dentre outros (veja matéria publicada em 20/01/2013).

Na última quarta-feira, 23, venceu o prazo para que o atendimento do banco retorna-se uma resposta ao questionamento feito pela cliente com relação à forma que sua poupança foi bloqueada ilegalmente.

Nossa reportagem acompanhou a resposta, bem como a nova reclamação realizada pela cliente e seu patrono junto à ouvidoria do banco Itaú-Unibanco. De acordo com o atendimento, o banco não praticou qualquer espécie de ilegalidade. A Ouvidoria, quando contatada, por meio do atendente Danilo (assim se identificou), disse que o banco pode bloquear a conta poupança e a conta salário independentemente de ordem judicial por haver cláusula contratual que permite essa atitude e, por insistência da cliente, a reclamação foi registrada.

Nota-se aqui que a Ouvidoria da instituição prestou informação semelhante a da atendente da agência, Laysa, que na visita da cliente à agência 6419, havia dito que o banco tem “plenos poderes” para bloquear o que for necessário, sem ordem judicial, para haver seus créditos, a diferença está no fato de que a Ouvidoria diz que a autorização é por cláusula contratual, enquanto que Laysa afirmava haver lei aprovada em 2012.

Portanto, o que inicialmente parecia um problema pontual, restrito a uma atendente em uma agência, tornou-se institucional, pois a Ouvidoria estaria prestando informação semelhante à da atendente no que diz respeito ao banco ter poderes para bloquear poupança ou conta salário sem autorização judicial.

A própria Laysa, na gravação realizada, havia dito que a informação que ela estava prestando à cliente havia vindo “de cima”.

Em novo contato com o Dr. José Eduardo Tavolieri, conselheiro da OAB-SP e membro da Comissão de Direito e Relações de Consumo, o caso se agravou uma vez que um erro que parecia ser localizado (pontual) demonstrou-se institucional podendo ser responsabilizados os administradores daquela instituição.

“É inacreditável! Existem casos anteriores onde há condenação por esse tipo de atitude. Não há qualquer possibilidade de que qualquer instituição possa bloquear administrativamente contas poupança ou contas salários, pois são impenhoráveis até os limites estabelecidos por lei”, disse o conselheiro da OAB-SP.

Segundo a gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais, não há muito que acrescentar, pois a fundamentação utilizada na matéria está ótima e muito clara (matéria publicada em 20/01/2013). “O que poderia dizer para complementar é que como fundamento no CDC, isso se trata de prática abusiva, pois exige do consumidor vantagem manifestamente excessiva (artigo 39, IV) ou, se houver previsão contratual, esta também é abusiva, pois estabelece obrigação iníqua e é incompatível com a boa-fé, ferindo a natureza e equilíbrio contratual (artigo 51, IV)", informa Maria Elisa.

O que a representante do Idec se refere é ao fato da defesa do Itaú-Unibanco ser baseada na autorização dada pela cliente em contrato de abertura da conta-poupança de permitir que o banco efetue descontos, sem qualquer outra autorização, para cobertura de dívidas existentes junto à instituição.

Para Renata Reis do Procon-SP os contratos para a abertura de contas junto à instituição não podem ter suas cláusulas contestadas pelos clientes no momento da abertura e, sequer, podem leva-los para uma análise mais profunda de um advogado antes da assinatura. “O cliente se torna refém. Se quiser abrir a conta é obrigado a aceitar todas as cláusulas notadamente abusivas e nulas de pleno direito”, disse Renata Reis.

Pode-se entender, portanto, que as posições da OAB-SP, IDEC e Procon-SP estão na mesma sintonia, ou seja, o contrato que a instituição Itaú-Unibanco obriga seus clientes a assinarem infringem regras claras previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC) - Lei 8.078.

Casos semelhantes também ocorrem em contas salário.

Para o Desembargador Rubens Bergonzi Bossay, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, em decisão proferida em 2012 acerca de recurso do Banco do Brasil sobre indenização por dano moral após bloqueio em conta salário de cliente para pagamento de dívida, é:

“Mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco-credor para saldar dívida decorrente de contrato bancário é ilícita e dá ensejo a reparação por dano moral. A instituição dispõe de outros meios, inclusive judiciais, colocados à sua disposição, para cobrar a dívida perante o devedor. Nos termos do artigo 649, IV do CPC, são impenhoráveis os salários do correntista, de modo que nem mesmo o Poder Judiciário pode promover o seu bloqueio. Como é cediço, muito se discute acerca da natureza jurídica da obrigação de indenizar o dano moral. Porém o entendimento majoritário é no sentido de que essa obrigação de reparar possui dupla finalidade: compensar o dano experimentado pela vítima e punir o ofensor”.

No recurso especial 831.774 - RS (2006⁄0066849-1), o Ministro Humberto Gomes de Barros do STJ disse sobre fato similar ao da matéria, porém sobre conta salário:

“Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo”.

Banco Itaú S⁄A, recorrente, diz, em síntese, que:

 “(...) Quando efetivado o depósito, aquela verba deixou de caracterizar-se como salário, e portanto é suscetível de ser utilizada para pagamento das dívidas.

Assim, não se confundindo o saldo em conta corrente com salário, e também não se confundindo a penhora de salário, com autorização para débito em conta, tem-se como malferida a regra instituída pelo artigo 649, IV, do Código de Processo Civil, por indevidamente empregada para ser impedido o emprego de obrigação contratualmente prevista (...)"

...

Ao julgar o REsp 507.044, conduziu a 3ª Turma ao seguinte entendimento:

"(...) Mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco-credor para pagamento de cheque especial é ilícita e dá margem a reparação por dano moral (...)"

Embora a norma do Art. 7º, X, da Constituição Federal, se dirija ao empregador, quando proíbe a retenção dolosa do salário, a vedação estende-se a todos aqueles que, por sua atividade, manejem o valor do salário. No caso, o banco financiou como intermediário entre o patrão e o empregado.

Não é lícito à instituição financeira pagar-se integralmente, às custas da subsistência do correntista. Ao bloquear o salário - ainda que amparado em cláusula contratual permissiva - o banco comete ato ilícito, porque constitucionalmente vedado.

...

E continua...

“Em nosso ordenamento jurídico, nem mesmo ao Poder Judiciário é lícito penhorar salários, no processo de execução (CPC, Art. 649, IV). Se assim ocorre, não se há de permitir ao credor expropriar - sem discussão - o ordenado de seu mutuário. Em verdade, a autorização para que o credor se aproprie do salário pago ao devedor constitui evidente fraude ao Art. 649, IV, do CPC. Em resumo: não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, para cobrir o saldo devedor da conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida pelos meios ordinários”.

 

Pode-se entender da decisão acima que o mesmo ocorre para a poupança que também é protegida por impenhorabilidade nos termos da legislação vigente.

Demonstrada, portanto, a ilegalidade praticada, no caso analisado na matéria, de bloqueio de conta poupança com a alegação de cláusula contratual, a cliente da agência 6419 do Itaú-Unibanco entrou em contato com o Banco Central para registrar sua reclamação.

Em todos os momentos, por autorização expressa da cliente, as ligações para o Itaú-Unibanco e Banco Central foram realizadas em viva-voz de forma que seu representante legal e a reportagem pudessem ter acesso ao que estava sendo discutido.

Diversas tentativas para efetuar a reclamação junto ao Banco Central foram realizadas (0800-979-2345), sendo que por diversas vezes, ao digitar a opção no menu do atendimento para ‘reclamação’, recebia-se o retorno de que o número não existia, Depois de diversas tentativas, conseguiu-se que o atendimento do BCB ocorresse.

A cliente do Itaú-Unibanco identificou-se e informou que queria registrar uma reclamação contra a instituição na qual possui conta poupança e que o detalhamento do caso seria dado por seu representante que ela autorizava a prestar todos os esclarecimentos. Informou ainda, após breve discussão, que a ligação estaria em viva-voz.

O atendente, que se identificou como Carlos, iniciou nova discussão com a cliente onde relutava quanto a registrar a reclamação questionando-a se havia assinado contrato onde permitia que o banco pudesse bloquear seus valores para quitação de dívida. A cliente confirmou que havia assinado contrato com o banco para a abertura da conta poupança. O representante legal diz, então, que ele, o atendente Carlos do BCB, deveria registrar a reclamação e que existe jurisprudência sobre o caso e que o Itaú-Unibanco não poderia praticar o ato ilegal de bloquear uma conta poupança sem ordem judicial ao que o atendente Carlos do BCB responde que o importante são as normas e contratos. Carlos, ainda, dá a entender que o BCB não leva em consideração as decisões judiciais e se confunde com o significado de jurisprudência. O atendente tenta forçar uma situação para que a cliente saiba, ou então, seja induzida de que, ao assinar um contrato unilateral, teria permitido o acesso à sua poupança, independente da ilegalidade.

Questionado, pelo representante legal, para que se procedesse ao registro da reclamação sem dar opiniões, Carlos pede um instante e solicita autorização, provavelmente de seu superior. Ao retornar, registra a reclamação.

Em contato com a assessoria de imprensa do BCB, foi solicitado informação sobre a atitude do atendente Carlos ao dificultar o registro da reclamação e sobre a tentativa de induzir a cliente do Itaú-Unibanco a erro. A reportagem recebeu a seguinte resposta:

“A cidadã entrou em contato com o serviço de atendimento ao cidadão do Banco Central, no qual relatou o bloqueio administrativo de sua conta de poupança pelo Banco Itaú sem sua autorização. A demanda foi registrada e o número de registro informado à cidadã e a seu advogado que participava da ligação em viva-voz. O Banco Central seguiu o tramite normal para tratamento de demandas, enviando uma solicitação de resposta ao Banco Itaú, que tem prazo de dez dias úteis para fazê-lo. Esse prazo se encerra em 7.2.2013. Neste ínterim, é possível solicitar informação sobre o andamento da demanda por meio do serviço de atendimento 0800 9792345 – opção 9, com o número de protocolo informado à cidadã.”

Foi realizado novo contato com a assessoria de imprensa do BCB, pois a resposta encaminhada não abordava, em nada, o questionamento realizado, sendo que a nova resposta adicional foi a que segue:

“O registro da reclamação da cidadã ocorreu de forma atípica em função da presença do advogado da reclamante. A insistência do advogado em proceder ele próprio o relato das ocorrências e o registro da reclamação, em detrimento da comunicação direta entre o atendente e a reclamante (padrão estabelecido pelo BCB para o registro de reclamação pelo canal telefônico, face a impossibilidade de caracterização de eventual represente legal do reclamante) ensejou dúvida do atendente quanto à pertinência do registro da reclamação. Reiteramos que não houve recusa em registro da reclamação, apenas dúvidas quanto ao procedimento. Ressaltamos que as informações prestadas pelo atendente do BCB foram efetivadas a partir de demanda da cidadã quanto à possibilidade do banco fazer débitos em sua conta, não constituindo defesa da instituição financeira. Por fim informamos que o Banco Central tem por política buscar a constante melhoria do serviço de atendimento ao cidadão.”

O que se deve levar em conta é que, na maioria das vezes, o reclamante não tem conhecimento da legislação e de seus direitos ou, momentaneamente, não possa se comunicar devido a problemas físicos ou emocionais. Não aceitar que outra pessoa, desde que expressamente autorizada e identificada em gravação promovida pelo BCB, interceda em favor da reclamante ou descreva o ocorrido, de forma clara e precisa, dando subsídios à reclamação, pode ser prejudicial ao correto encaminhamento do processo. O fato do atendente do BCB efetuar questionamento à reclamante sobre ter ou não assinado contrato que autoriza o bloqueio de valores na poupança e dar posicionamento tendencioso já é justificativa para uma averiguação por parte do Ministério Público sobre a qualidade do serviço público prestado.

O Ministério Público Federal (Procuradoria Geral da República) foi questionado sobre a posição do BCB e, por meio da assessoria de imprensa, informou o que segue:

“Como o caso envolve o Banco Central, autarquia federal, a competência realmente é do Ministério Público Federal. Porém, o caso seria de 1ª instância. Diante disso, o órgão a ser procurado é a Procuradoria da República em São Paulo: (11) 3269-5368”.

Em São Paulo, a procuradoria da república, por intermédio da assessoria de imprensa, respondeu:

“Qualquer cidadão que quiser relatar casos de má qualidade no atendimento de serviço público federal ou mesmo eventuais irregularidades pode procurar o Ministério Público Federal, que está presente em todo o território nacional. Para enviar uma denúncia (representação) ao MPF em SP, o cidadão pode fazê-lo pela internet, através do Digi-Denúncia: http://www.prsp.mpf.gov.br/noticias-prsp/aplicativos/digi-denuncia. Ou se dirigir pessoalmente as unidades do MPF no Estado de SP: http://www.prsp.mpf.gov.br/noticias-prsp/aplicativos/digi-denuncia/institucional/municipios”.

Sobre o posicionamento dessa segunda parte da matéria, isto é, com relação ao fato da Ouvidoria do banco Itaú-Unibanco ter se posicionado e justificado da mesma forma que a atendente da agência 6419 com relação ao bloqueio ilegal da poupança para cobrança de dívida, afirmando que o banco Itaú-Unibanco teria "plenos poderes" para o bloqueio, tornou o fato institucional e não localizado. A assessoria de imprensa do banco foi contatada para responder a essa nova situação, mas não retornou às ligações da reportagem e, também, não respondeu ao questionamento realizado por e-mail, até o fechamento dessa edição.

A cliente do Itaú-Unibanco informou, por meio de seu representante legal, que irá seguir com o caso e reiterou o convite à nossa reportagem para que acompanhemos todos os passos que se seguirão na luta de Seus Direitos.

Links

...Continue Lendo...

...Continue Lendo...

Vídeo