Durante a sua exposição na sessão desta segunda-feira, o relator do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, afirmou que "não há dúvidas sobre a compra de votos" de deputados da base governista do ex-presidente Lula. Ele também disse que o dinheiro, em algumas ocasiões, somou "milhares de reais e em outras, milhões" e era entregue "antes, durante ou depois" da votação de projetos de interesse do governo na Câmara dos Deputados. "Há farta demonstração documental referente aos pagamentos realizados e dos parlamentares beneficiados, não havendo qualquer dúvida sobre a existência de um esquema de compra de votos a esta altura deste julgamento", destacou o ministro.
Nesta fase do julgamento, os ministros do STF analisam o capítulo seis da denúncia do mensalão, que trata dos crimes de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro envolvendo partidos da base aliada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva - o PP, o PL (atual PR), o PTB e o PMDB.
No tópico referente ao PP, respondem o atual deputado federal Pedro Henry (PP-MT), o ex-presidente do partido Pedro Corrêa, o ex-assessor parlamentar João Cláudio Genu, além dos acusados de envolvimento nos repasses à sigla: Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, sócios da corretora Bonus Banval. O denunciado Carlos Alberto Quaglia, dono da corretora Natimar, não responde mais à ação penal do mensalão por ter tido o seu processo desmembrado. O ex-líder do PP na Câmara José Janene, já falecido, também é citado na denúncia.
"Os deputados federais do PP praticaram atos de ofício sob a influência desses pagamentos, e coube a Pedro Henry orientar o voto de seus correligionários no sentido pretendido por quem pagava, ou seja, os corruptores", afirmou Barbosa em seu voto. Segundo a denúncia do mensalão, o PP recebeu R$ 4,1 milhões no esquema, sendo R$ 2,9 milhões entregues pela ex-diretora financeira da SMP&B Simone Vasconcelos, ligada a Marcos Valério, ao assessor parlamentar João Claudio Genu, e R$ 1,2 milhão transferidos via corretora Bonus Banval.
"Os deputados federais do PP praticaram atos de ofício sob a influência desses pagamentos, e coube a Pedro Henry orientar o voto de seus correligionários no sentido pretendido por quem pagava, ou seja, os corruptores", afirmou Barbosa em seu voto.
Em boa parte de sua fala, Barbosa ressaltou que o PT e o PP eram partidos que se posicionavam em lados opostos em 2003, no início do governo Lula, com distância ideológica. "Os dois partidos eram antípodas, oposicionistas. Sempre foram", disse o relator, lembrando que o PP não se aliava com o PT em eleições municipais. "Não houve qualquer motivo que explicasse o interesse do Partido dos Trabalhadores em realizar os repasses milionários de dinheiro aos parlamentares vinculados ao Partido Progressista", afirmou.
Para Barbosa, as votações das reformas da Previdência e tributária foram apenas exemplos de votações que sofreram interferências pelos repasses de propina. "De fato, essa reformas receberam o fundamental apoio dos parlamentares comprados pelo PT e das bancadas por eles orientadas e dirigidas, exatamente no momento em que foram feitos os maiores repasses de dinheiro aos parlamentares acusados", disse.
O ministro afastou a tese dos réus do núcleo político, que alinham os repasses do PT a recursos não contabilizados destinados a pagar dívidas de campanha, confirmando a tese de Roberto Jefferson. "Apesar de as defesas afirmarem que o chamado mensalão foi uma invenção de Jefferson para se defender das acusações de recebimento de propina dos Correios, percebemos que as acusações feitas pelo parlamentar estão muito distantes da mera vingança política, embora possa ter sido sua intenção inicial. Aliás, não é a primeira vez que crimes são revelados por desavenças entre coautores", disse.
Etapas
Barbosa afirmou que esquema criminoso seguiu três etapas: desvio de recursos da Câmara e do Banco do Brasil, por meio de contrato com as agências de Marcos Valério; ocultação da origem dos valores através de empréstimos fraudulentos; e saques de valores por meio de cheques assinados por Valério e sócios. Barbosa ainda esclareceu que as avaliação em relação a corrupção ativa ficará para um "segundo momento". "Corrupção ativa e os réus que a praticaram será abordada mais adiante", disse ele.
Citando o depoimento prestado por Delúbio Soares, Barbosa diz que o PT repassou "uns R$ 8 milhões para o PP, em torno de R$ 4 milhões para o PTB, cerca de R$ 2 milhões para o PMDB, e entre R$ 10 a 12 milhões para o PL." O valor total repassado às legendas, ainda segundo Delúbio, chegaria a cifra de R$ 55 milhões. As quantias, disse Barbosa, influenciaram votações na Câmara.
Barbosa falou sobre a votação da reforma tributária no Congresso. Segundo o ministro, todos os parlamentares do PL votaram a favor da emenda. No PMDB, foram três votos contra; no PTB, quatro; e no PT, três. Essa divergência no Partido dos Trabalhadores teria, inclusive, resultado na expulsão dos autores dos três votos.
Falha no site do STF revela pena proposta por Barbosa a condenados
Uma falha no sistema de divulgação do Supremo Tribunal Federal (STF) revelou a dosimetria das penas propostas pelo ministro Joaquim Barbosa aos réus condenados por lavagem de dinheiro na ação penal do mensalão. O voto foi divulgado na última sexta-feira e rapidamente tirado do ar. No entanto, o cachê - uma cópia - ficou disponível para consulta pelo Google.
O empresário Marcos Valério, que já havia sido condenado pelos crimes de corrupção ativa e peculato, recebeu uma proposta de pena por lavagem de dinheiro de 12 anos e sete meses de prisão, em regime fechado (em estabelecimento de segurança máxima ou média), mais o pagamento de multa no valor de R$ 2,1 milhões.
"O motivo do crime, em última análise, foi o objetivo de viabilizar, com o inestimável apoio da estrutura empresarial da qual Marcos Valério fazia parte, o esquema criminoso de compra de apoio político, pagamento de dívidas eleitorais passadas e financiamento de futuras campanhas daqueles que integravam o esquema", justificou Barbosa em seu voto.
Os sócios de Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino receberam, cada um, a pena de dez anos, mais o pagamento de R$ 1,5 milhão. As condenações foram aumentadas em razão de processos aos quais os três respondem na Justiça. "Por essa razão, considero que os réus ostentam maus antecedentes", lê-se no documento. Devido ao tempo elevado, todas as penas deverão ser cumpridas em regime fechado.
Responsável, na opinião dos ministros do Supremo, pela distribuição do dinheiro dos empréstimos fraudulentos obtidos junto ao Banco Rural, Simone Vasconcelos foi condenada a sete anos e sete meses de prisão, em regime semiaberto, mais o pagamento de multa no valor de quase R$ 600 mil.
"Simone executava materialmente as operações de lavagem de dinheiro realizadas pelo denominado núcleo publicitário ou operacional, liderado por Marcos Valério, chegando a, por exemplo, comparecer inúmeras vezes em agências do Banco Rural para realizar repasses de valores lavados em conluio com a instituição financeira", afirmou o relator.
A ex-gerente financeira da SMP&B Geiza Dias, que foi absolvida pela maioria dos ministros, chega a constar na dosimetria proposta por Joaquim Barbosa. Na opinião do relator, ela teria de cumprir seis anos e 11 meses de prisão.
Banco Rural
A ex-presidente e acionista do Banco Rural, Kátia Rabello, e o ex-vice-presidente José Roberto Salgado foram condenados na semana passada, por unanimidade, pelo crime de lavagem de dinheiro. Barbosa propôs dez anos de prisão a ambos. No caso de Kátia, haveria ainda o pagamento de R$ 2,3 milhões em multa. Já para Salgado, seria R$ 1,5 milhão.
A precipitação na divulgação do voto do ministro pode ser verificada no item referente a Vinícius Samarane, ex-diretor e atual vice-presidente do Rural. Em vez de descrever o crime cometido e a pena que seria aplicada ao executivo, Barbosa "colou" as mesmas justificativas aplicadas a Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Dessa forma, não é possível, ainda, saber qual será a proposta de punição a Samarane.
Dosimetria
Antes do início do julgamento, Joaquim Barbosa propôs, em plenário, que as dosimetrias fossem discutidas apenas ao final do julgamento. O único a adiantar o tamanho das penas foi o ministro Cezar Peluso, que se aposentou no início do mês. A dosimetria, então, foi proferida apenas em relação ao primeiro capítulo analisado, sobre desvios no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados.
Peluso pediu a condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) a seis anos de prisão, além da perda do mandato, por corrupção passiva e peculato. Para Marcos Valério, em razão de desvios tanto na Câmara quanto no BB, Peluso sugeriu 16 anos de reclusão em regime fechado. Aos sócios dele - Cristiano Paz e Ramon Hollerbach -, o ministro propôs dez anos de prisão, para cada, também em regime fechado.
Em relação ao ex-diretor do BB Henrique Pizolatto, Peluso pediu a condenação a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, além do pagamento de multa no valor de R$ 121 mil.