"Ninguém quer guerra", diz embaixador britânico sobre Malvinas

 

Internacional - 31/03/2012 - 19:37:16

 

"Ninguém quer guerra", diz embaixador britânico sobre Malvinas

 

Da Redação com Terra

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

A costa de Stanley vista a partir do porto, na capital das Ilhas Malvinas

A costa de Stanley vista a partir do porto, na capital das Ilhas Malvinas

Alan Charlton nasceu em Nottingham, a terra de Robin Hood. Da literatura ele diz que não guarda o desejo de roubar dos ricos para dar aos pobres, mas sim o sentimento de justiça. Embaixador do Reino Unido no Brasil desde 2009, Charlton usa do parentesco territorial para preservar o desejo dos habitantes das Ilhas Falklands (ele se recusa a adotar o nome Malvinas) de serem súditos de Sua Majestade Rainha Elizabeth.

Passados 30 anos do conflito que matou 900 pessoas e deixou quase 2 mil feridos, Charlton tem a convicção de que a população local não quer uma nova guerra. "É óbvio que temos uma postura defensiva e estaremos prontos para defender as ilhas. Mas ninguém quer a guerra. Estou absolutamente certo disso. O conflito foi uma tragédia", afirma o embaixador, que esteve em Stanley, capital das Malvinas, em janeiro.

Em entrevista, Alan Charlton critica a postura argentina de incentivar o conflito e considera irônica a forma como o governo de Cristina Kirchner quer convencer os habitantes das Malvinas de que o melhor lado é o deles. "Para convencer a população das ilhas de que eles têm uma ligação com Argentina, a abordagem correta seria atraí-los, não punir. É um bullying, praticamente", condena Charlton.

Confira os principais trechos da entrevista:
Como o governo britânico encara o recrudescimento desse conflito?
O conflito foi uma tragédia para todos que morreram, tanto os soldados britânicos, como os argentinos e as pessoas que morreram nas ilhas. Eu visitei as ilhas no final de janeiro e ainda há pessoas com trauma do conflito. Ninguém quer um novo conflito.

Há espaço para o diálogo?
Em 1999, o Reino Unido, a Argentina e as Falklands firmaram um acordo guarda-chuva que envolvia não apenas a questão da soberania, mas do desenvolvimento das ilhas. Era uma abordagem sobre o turismo, sobre a pesca, sobre a economia. A Argentina abandonou essas conversas e não fala mais com o governo das Falklands. Por isso temos uma situação longe da ideal. Seria muito melhor termos uma cooperação. Somos abertos a um diálogo nesses pontos.

A que o senhor atribui essa posição do governo argentino?
Eu ouvi falar muito dos problemas econômicos internos, mas, pessoalmente, não sei. Não sou especialista na política argentina, mas é um retrocesso para a região a volta desse conflito. Os habitantes das ilhas podem contribuir para a região. É uma população pequena, mas interessante, otimista e que quer contribuir. Esse bloqueio econômico, essas cartas ameaçadoras enviadas para companhias que tenham ligações com as Falklands, o bloqueio naval. Tantas medidas nos últimos meses. Naturalmente que as pessoas nas ilhas têm medo. É um bullying, praticamente. Para mim é até um pouco irônico também.

Irônico porque?
Para convencer os habitantes das ilhas de que eles têm alguma ligação com a Argentina, a abordagem correta desse problema seria atrair eles, não punir. Por isso eu acho que o que a Argentina está fazendo vai, com certeza, reforçar a ideia nos habitantes das ilhas que não e possível ver um futuro com a Argentina.

Alguns emissários britânicos chegaram a aventar a possibilidade de permitir à Argentina distribuir panfletos sobre um possível plebiscito nas ilhas. É real essa intenção do Reino Unido?
Há um problema maior que é a constituição da Argentina. A simples ideia das Falklands se tornarem independentes não é possível. Entre a década de 1940 e 1970, vários territórios britânicos tornaram-se independentes. As Ilhas Bermudas, por exemplo, fizeram um plebiscito, mas decidiram não mudar a situação da soberania. O que quero dizer é que um plebiscito não vai mudar as coisas, pelo menos, não do lado argentino. Eu posso imaginar apenas um resultado, que é ficar como as coisas estão. A outra possibilidade é serem independentes, o que nem passa pela cabeça dos argentinos. Por isso não faz muito sentido falar sobre isso como uma solução.

Qual é o estágio atual das negociações?
Não há. Na década de 90 houve a tal declaração conjunta, mas hoje em dia não existe porque a Argentina não mostra interesse em falar sobre cooperação, apenas soberania. Para nós, essa é uma decisão para os habitantes das ilhas. Eu espero que no futuro seja possível falar com o governo argentino sobre essas importantes questões de cooperação. Minha visita me convenceu de um ponto importante. As Falklands têm governo, têm legislativo, judiciário, polícia, departamentos de Estado, têm tudo. Têm orçamento próprio sem apoio do Reino Unido. Nós fazemos as relações exteriores e a defesa, mas todas as outras decisões são para o governo das ilhas. Com isso, qualquer diálogo deve incluir o governo das Falklands. É um modelo que temos em todos os territórios ultramarinos no mundo.

Diante desse quadro, o senhor acredita que possa haver um novo conflito armado?
Eu não sei. Pessoalmente, espero que a continuação de nossa postura defensiva nas ilhas vai contribuir num pensamento do lado argentino de que não vale a pena fazer isso. Nós aprendemos, por causa do conflito, que é necessário continuar com a presença militar. Temos soldados, aeronaves e navios da marinha britânica. Não é uma presença muito grande, isso custa menos de 0,5% do orçamento da defesa do Reino Unido. Não é uma coisa enorme, mas esperamos que seja suficiente para mostrar à Argentina que temos uma posição de defesa clara nas ilhas. Por isso espero que não vá acontecer isso.

Efetivamente, o interesse argentino é político, econômico ou apenas uma questão de orgulho?
No que diz respeito a energia, há reservas enormes de gás na Argentina. Nas Falklands há petróleo, mas a quantidade ainda não foi mensurada. Acho que a Argentina já tem muitas possibilidades de desenvolver mais energia, mas não sei se a política deles, no momento, vai atrair investimentos de companhias multinacionais que possam ajudar na exploração dessas reservas. Infelizmente não tenho respostas sobre a política interna da Argentina.

O jornal The Guardian publicou uma pesquisa recentemente em que mais de 60% dos britânicos aprovam uma nova guerra para manter a soberania sobre as Malvinas. Essa é também uma postura oficial?
É obvio que temos uma postura defensiva e estaremos prontos para defender as ilhas. Mas ninguém quer a guerra. Eu estou absolutamente certo disso. Ninguém, nem do lado argentino, nem britânico, nem das Falklands quer. O conflito foi uma tragédia. No domingo antes dessa pesquisa, o Sunday Times publicou um caderno especial sobre o conflito envolvendo os três lados. A conclusão de todos é essa: foi uma coisa terrível e não queremos repetir isso.

O Brasil pode, de alguma forma, intermediar essa questão?
Eu acho que intermediar não ajuda porque nossa posição é clara. Não vamos negociar sobre a soberania. Queremos falar sobre cooperação. Temos um relacionamento com o Brasil que cresceu muito nos útimos anos. Os dois lados querem que essa relação continue crescendo. Conhecemos a posição do governo brasileiro e eles conhecem a nossa posição. Não é um problema, mas não sei como o Brasil pode ajudar nisso. É uma decisão para o governo argentino tomar, de mudar sua política que, na minha opinião, não vai ajudar em nada. Nós temos um relacionamento muito antigo com a Argentina, desde os primeiros momentos da república. Para mim é uma tristeza que não tenhamos um relacionamento melhor.

O senhor esteve recentemente nas ilhas. Qual é a sensação da população local?
Eles têm um pouco de medo, não sabem o que vai acontecer. Há uma ameaça em relação a conexão aérea entre o Chile e as Falklands. Eles até podem viver sem isso, mas é muito difícil porque a Argentina não permite voos charter para lá. A incerteza é grande, mas há também uma grande firmeza. As pessoas com as quais falei têm um otimismo em relação ao futuro. Eles acreditam que a economia das ilhas está numa boa situação. Há superávit e uma reserva que eles podem viver dela por alguns anos, se necessário. Eles acreditam na posição do governo britânico de que vamos continuar apoiando e defendendo. O que eles gostariam é de mais contato com os países da região. Eles gostam das visitas dos turistas. Esse contato com o exterior resultou em 62 nacionalidades nas ilhas, entre elas uma brasileira.

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