O presidente Lula se despede do governo. Agora há pouco, ele tirou a última foto com todos os ministros, no Palácio do Planalto. No sábado, ele entrega a faixa à presidente eleita Dilma Rousseff e, depois de oito anos de mandato, volta a ser um cidadão comum.
Subidas e descidas de rampa são a marca da democracia, da alternância do poder. Só quem já percorreu os dois lados da rampa pode descrever a sensação de entregar a faixa, de reassumir a o cargo de cidadão comum. “Fui para a Europa com a Ruth. Eu estava sozinho, sem repórter, sem segurança, sem nada, foi um alívio. Depois dá saudade. Saudade das pessoas”, afirma Fernando Henrique Cardoso, Ex-presidente da República.
Djalma Bom nunca morou no sertão, mas sente saudades do amigo que veio de lá e foi parar no Palácio do Planalto. Ele é paulista, conheceu Lula em 1974 e virou um de seus principais aliados. No sindicato, em porta de fábrica, na fundação do PT e até na prisão. “Quando Lula estava subindo a rampa do Palácio do Planalto, eu me senti como se estivesse subindo junto com ele”, diz.
E agora, que ele deixa de ser presidente? Será que volta a ser um cidadão comum? “Uma pessoa que chega à Presidência da Republica não é uma pessoa normal, uma pessoa comum”, afirma Djalma.
Não é mesmo. O ex-sindicalista e hoje prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, anda preocupado com a volta do companheiro. “Estou ferrado, porque vai começar a andar na cidade, ver os problemas, pegar o telefone e dizer: ‘oh, Marinho, tem que resolver isso aí’”, diz.
Brincadeiras à parte, Lula já tem compromisso marcado com seus velhos colegas de sindicato. “Eu estou programando levar ele dia 30 de janeiro para dar o pontapé inicial aqui no antigo Vila Euclides. O nosso time, de São Bernardo do Campo, o Tigre, contra o Corinthians do Lula”, explica Marinho.
A ideia dos amigos de Lula é trazê-lo para um dos locais mais simbólicos, mais importantes na história do homem que agora está deixando a presidência do Brasil.
Wanderley Salatiel lembra bem o que aconteceu no dia 13 de março de 1979. Ele trabalhava numa lanchonete na porta do estádio de Vila Euclides. Viu Lula desafiar o regime militar e convocar uma greve geral. "Foi um momento de muita tensão, a gente ficava um pouco assustado com aquele movimento", diz.
Foi nesse dia que Wanderley decidiu ser sindicalista. Hoje ele preside o diretório do PT em São Bernardo, o primeiro do partido em todo o país. Salatiel, Lula e muitos outros botaram a mão na massa para construir esse prédio. “Se você pegar os filmes lá de trás, quando ele começou, não mudou nem uma vírgula. O caráter, o jeito, a simpatia”, afirma.
Gigio, o ex-metalúrgico que foi à posse em Brasília, como convidado especial, também acha que Lula não mudou nada. Ele não vê a hora do amigo retornar a São Bernardo. “Ele vai relembrar e rever o passado. O que ele fez, o que andou pela cidade, os amigos, companheiros”, explica o ex-sindicalista e comerciante, que se chama Juno Rodrigues Silva.
O prefeito da cidade bem que tentou conversar com Lula sobre como será a vida dele a partir de agora. Não conseguiu. “Ele disse ‘olha, eu tô com muita coisa, vamos tocar. Dia 1º, passo a faixa para a Dilma, dia 2, saio, vou descansar uns dias, depois a gente conversa”, afirma Marinho.
O homem que hoje senta na cadeira que já foi de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos acha que São Bernardo ficou pequena. “Agora acho que ele precisa contribuir para um mundo melhor. Ele mesmo tem dito que gostaria de desenvolver projetos contra a fome na África e eu acho isso muito importante”, diz Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista.
Muita gente que já passou pela situação diz que este gesto corriqueiro é uma experiência traumática para quem deixa o cargo. Depois de viver durante anos com todas as portas se abrindo automaticamente, é nessa hora que a ficha cai. De repente, ao girar uma simples maçaneta, o presidente descobre que não manda mais.
Os amigos sabem que até mesmo Lula, que já foi retirante e operário, vai sentir o baque. Afinal, faz mais de 30 anos que ele não dirige um carro. Sabem que dificilmente poderá sair na rua sem segurança. O próprio Lula ainda não sabe direito o que vai acontecer. “Eu quero voltar a viajar pelo Brasil porque a única coisa que eu não quero é voltar a ter trabalho dentro do governo ou do partido”, diz.
A única coisa certa, por enquanto, é que ele volta a morar, no apartamento dele, em um prédio num bairro de classe média de São Bernardo do Campo.
A matéria foi ao ar no Jornal Hoje - Globo em 31/12/2010.