Num mundo onde parece não faltar espaço para complicações, gerar, parir e criar um ser humano parece um conjunto de tarefas cada vez mais distante dos domínios exclusivos dos pais. No entanto, remando contra essa maré de dificuldades, segue firme o barco, ou melhor, o navio das mães solteiras, que, por opção ou não, se negam a medir medos e esforços no seu prumo em nome de algo que nenhuma palavra pode medir.
Aos 27 anos, a arquiteta Helena Quintanilha, então mãe de Marcela, com quatro, e grávida de Fernanda aos cinco meses, sentiu o peso de uma bigorna despencar sobre sua cabeça. O marido e pai das duas meninas, havia morrido num acidente de carro na Rio-Bahia. “Eu fiquei sem saber nada da vida. Estava casada há cinco anos, tinha parado de trabalhar, estava vivendo minha vidinha de casa, criança, marido. Foi uma bomba que eu nunca, nem nos meus momentos de hipóteses mais remotas, tinha imaginado cair sobre mim. E mesmo que tivesse imaginado, não teria conseguido calcular os efeitos dela”, lembra Helena que, apesar da força, não conseguiu evitar a depressão. “O final da gravidez da Fernanda foi muito difícil. Acho que trago traumas disso até hoje. Minha família e meus amigos me encheram de carinho e amparo, mas comecei a não ver mais sentido em ter outra filha, sem o Gil por perto. Só consegui encarar a coisa de outra maneira quando me submeti à psicoterapia e, finalmente, quando a Fernanda nasceu. Foi o que me encheu de força e eu realmente vesti, no começo, a camisa de mãe solteira. Mãe viúva, como dizem as meninas”, conta ela, quase vinte anos depois. Não menos difícil foi a dura, mas sensata, decisão tomada pela professora de inglês Juliana Perrone. Aos 18 anos, grávida de Nina, vivendo um namoro de desencontros, ela se viu diante de um cruel dilema. “Foi tudo um acidente, eu esqueci a pílula e nós dois éramos completamente imaturos. Quando fui dar a notícia para o Felipe, ele me colocou numa situação absurda: ou eu abortava e ele continuava comigo, ou decidia ter a criança sem a presença dele, só com uma ajuda financeira. Óbvio que eu fiquei com a segunda”, conta Juliana, hoje com 24 anos. “No começo, embora soubesse do temperamento dele, fiquei profundamente decepcionada. Mas, com o tempo, descobri que não valeria a pena forçá-lo a aceitar a filha. Ele a registrou, comparece todo o mês com o dinheiro, mas a viu duas vezes na vida, uma ainda na época do nascimento e outra, quando ela completou três anos. Hoje, ele mora em outro estado e nós três temos o mínimo de contato”, revela.
No entanto, mesmo cercada pelo carinho da família, Juliana, se sente insegura em relação ao futuro da pequena Nina. “Ela não sente falta do pai. Escolheu meu irmão, que é padrinho dela, como figura substituta. Mas tenho medo de que o mau exemplo de responsabilidade do pai verdadeiro venha a influir em seu comportamento no futuro”, confessa. A psicóloga Patrícia Madruga explica que, naturalmente, filhos de mães solteiras elegem figuras masculinas próximas como substitutos do pai ausente. Mas compreende a apreensão de Juliana. “Com o pai morto, mostram-se fotos, contam-se histórias. A criança conhece sua existência e passa a tê-lo como um herói. Já o pai negligente, principalmente se ele tiver deixado algum tipo de rancor na mãe, vai ser fonte de uma revolta na fase da adolescência. Isso porque é o pai quem puxa para a vida. É ele quem dita os limites e as responsabilidades. Mas, durante a infância, é comum a criança se aproximar de um tio, um avô, um amigo da família e preencher com ele a lacuna da figura masculina”, comenta ela. Para Marcela, a filha mais velha de Helena Quintanilha, que chegou a conhecer o pai, a dor de se sentir diferente foi a barreira mais difícil a ser transposta por ela, durante a infância. “Na escola, naquelas comemorações de Dia dos Pais, Natal, era tudo um horror. Aquela comoção das crianças recebendo os pais no colégio e eu lá, de mão dada com a minha mãe, que fazia de tudo pra me distrair. Achava aquilo meio cruel”, diz ela. A pedagoga Maria Angélica Coelho faz coro. “Pessoalmente, quando essas comemorações demandam uma preparação muito longa e o dia-a-dia em sala de aula vai ficando em função disso, acho extremamente prejudicial. Elas são saudáveis quando são despretensiosas. A criança pode se sentir na obrigação de ter um pai e acabar ‘menor’ em relação às outras”, comenta ela, explicando que os filhos de pais únicos devem se sentir à vontade para homenager quem quiserem nessas ocasiões.
Entretanto, o sonho de super-heroína de algumas mães solteiras precisa ser muito bem pensado. Na opinião de Patrícia Madruga, é impossível dar conta de tudo sozinha. “A questão financeira e de infra-estrutura pode ser, claro, mantida por uma pessoa só. No entanto, é muito difícil seguir com a criação de uma criança sem uma figura masculina por perto, como também seria na situação contrária, sem a mãe. Tenho observado muito em consultório os problemas que esses filhos têm, sobretudo em relação aos limites. O pai é fundamental nesse aspecto”, afirma ela. Isso, entretanto, não significa que a tripulação do tal navio das mães solteiras esteja saltando ao mar. “A gente vê cada vez mais esse tipo de família matriarcal, principalmente com avôs assumindo a figura paterna”, diz ela. Pois é, coragem e amor de mãe valem por si.
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